quinta-feira, maio 18, 2017

Esfinge.

“Você é uma esfinge!”, disse a ela, tamanho era seu mistério. E não, eu não falo isso para qualquer um: uma das minhas habilidades é ler o outro, mesmo quando este dissimula. Podem me chamar de convencido, eu entendo. Mas nada passa incólume a mim.

Quer dizer...

 Vez ou outra, aparece alguém que buga meu sistema. Ela era dessas. E, não havia outra definição que pudesse defini-la melhor: um enigma nunca antes desvendado, tal como a esfinge  de Édipo.

Do outro lado, ela recebia a afirmação com o misto de surpresa e curiosidade. Talvez nunca se visse como uma, afinal, esfinge é um mistério da mais alta classe, posição na qual ela nunca se colocaria. Ou, talvez, surpresa pois não esperava que já houvesse nascido ainda alguém que se interessasse em desvendá-la. Ela era o maior desafio para terapeutas, para si mesmo e, sobretudo para mim.

Longe daqui que ela fosse a pessoa mais complicada do mundo, esse encargo fica para mim. Também não era a pessoa com menos problemas do que as outras, embora tivesse seus dramas. Não tinha um gênio indomável, tampouco era fria como o Ártico. Não pecava pelos excessos, pelo contrário: sua fala é mansa, suave, um canto de sereia que nos leva a descobrir, do nada,um tsunami. Por trás dos seus olhos serenos e seu sorriso de canto de boca doce que aquieta animais selvagens, podemos, ao mesmo tempo, encontrar terremotos, maremotos e chuvas torrenciais. Ou podia ser nada disso: ela não tinha aquele padrão que conseguimos ler nas pessoas medianas. Literalmente, é um chocolate mais doce com pimenta mais forte.

Talvez ela possuísse uma imagem parcial, incompleta, de si mesma e se assustava sempre que os seus outros lados, como aquele mais obscuro e o mais impulsivo, apareciam. E eles sempre aparecem, pois a natureza sempre põe à tona aquilo que tentamos esconder de nós mesmo, não importa como. E como ninguém gosta de viver de sobressaltos (quer dizer, quase ninguém), ela se protege a sua maneira: uns diziam que ela se fecha tal uma concha, outros diziam que ela coloca dezenas, centenas e milhares  de camadas a sua volta, assim como uma cebola.

Todos nós temos diversos “lados”, facetas. Não seria exclusividade só dela. Todavia, há formas e formas de revelá-los. Alguns simplesmente deixam essas facetas fluírem naturalmente, sem controle prévio ou censura. Impulsivos, por mais organizados que sejam cada minuto é uma grande surpresa pra eles: não se sabe como irão reagir a um gesto, uma palavra, um olhar do outro ou de si mesmo. Outros, por sua vez, controlam cada passo que irão dar: está tudo arquitetado, evitam o improviso que a impulsividade obriga a ter. É ser reservada na boa parte das vezes. Mas como a natureza sempre põe à tona aquilo que tentamos conter, sempre que se há um lapso e ela se escapole de sua concha, sempre que percebe que a cebola sendo descascada muito rápida ou profundamente,parece que ela se fecha cada vez mais, seja em uma concha mais resistente, seja em uma cebola com mais camada. 

Mas não seria o fluxo da vida abundante demais para se passar por um eterno e rigoroso controle? Tentar viver em um casulo é como controlar um vazamento com chiclete: uma hora não vai segurar mais, vai arrebentar. E a vida pode ficar tão mais divertida, tão mais colorida quando deixamos a impulsividade aparecer em nossas vidas: quando falamos aquilo que queremos falar, que digamos bobagem, quando agimos passionalmente mesmo que depois fiquemos vermelhos de vergonha do que fizemos. Que nos apaixonemos e desapaixonemos. Quando agimos antes de pensar, quando não pensamos nas consequências. Enfim, não é ser irresponsável, é ser humano, é ter vida um pouco mais colorida.  

Talvez por trás daqueles olhos que nos fazem sorrir, ela também tenha um quê de impulsividade, de sair do controle, de se permitir. Talvez eles escondam um coração machucado, que, assim como um animal ferido não mortalmente, se entranha na caverna e fica lambendo a ferida até sarar, afastando-se quando alguém da matilha vem prestar ajuda, pois não se acha digno do mesmo.

Só aqueles olhos calmos que escondem uma grande ressaca do mar seriam tão mais fascinantes se permitissem que fossem engolidos por suas gigantes ondas. Que aquela fala carinhosa que acalma o seu ouvinte também se permitisse queimá-lo com as lavas do seu Vulcão. Que a mão que acalenta se permitisse colocá-lo no meio de um terremoto. Mas para ela pode ser que seja mais forte que ela desviar-se do assunto quando ele vai entrar em uma área onde ela não tem total controle. Ou que é mais forte que ela desconfiar de alguém que apenas quer conhecê-la, pois não existe amizade sem conhecimento do outro. Talvez, para ela, perceber que no meio de uma conversa, o outro está perto de si mesma, em uma área perigosíssima, a do seu eu desprotegido, ambíguo, sem máscaras, é tão assustador que a faz usar qualquer arma para despistar, fugindo logo em seguida. Talvez, quando ela sai da conversa, foge não por ser covarde, mas porque não se sente confortável para se abrir para o outro. Mas como se sentir confortável quando não se abre espaço? Embora sempre risonha, fazê-la sorrir aquele sorriso verdadeiro, de dentro pra fora, aquele que mostra a janela secreta da alma, seja para mim a vitória do dia.

Apesar de tudo, é justamente nesse ser contido que se guarda um charme, algo que atrai as pessoas a quererem conhecê-la melhor. Arrasta-nos para uma grande areia movediça, prendendo ali eternamente sem nunca ter certeza completa de que a realmente conhece. Talvez este seja o segredo dessa esfinge pós-moderna: descobrir uma senha que nos livre dessa incontrolável compulsão em desvendá-la ou que a faça sair de sua concha ultrarresistente.  Esse ar misterioso, reservado, pode ser justamente uma escolha dela, que permitirá a apenas a alguns privilegiados, que possuindo a resposta do seu enigma, tenha as chaves de seu coração. Que por trás daquela fachada quieta e serena, existia uma intensidade louca em seu viver. Ou será que sua intensidade esta circunscrita as suas loucuras secretas? Daria pra viver certas loucuras de vez em quando sem necessariamente romper as barreiras do seu casulo?  Enquanto isso não acontece, poderia ela estar se  deliciando em devorar meros mortais extremamente curiosos em desvendá-la, bagunçando suas cabeças metidas a analistas freudianos, como eu?


Do outro lado,longe, ela se aquieta depois da minha afirmação inicial. Sequer se despede. Afinal, para que ser cordial para um intruso que ousa entrar no seu palácio?



Mas posso escutar o seu contido riso travesso quebrando o silencio de seu quarto.

quarta-feira, março 30, 2016

Amizade I

Era mais que um abraço. O ar festivo, o sítio desaguando em uma praia paradisíaca, a pequena capela e a suntuosidade da festa dava a quase todos a conotação de um grande evento. A tarde perfeita, num céu azul tão límpido, e o mar que se acalmou quando chegou a rainha da festa, me fizeram jurar que houve um acordo com São Pedro. O rústico dialogando com a ostentação nos mínimos detalhes. Era a festa perfeita e provavelmente não irei ver outra igual.

Contudo, algo me incomodava, uma letargia, uma melancolia, me atormentava e não tinha sido porque misturei a cerveja com whisk. É só fui compreender quando,num brevíssimo espaço de tempo que vi a rainha da festa, minha amiga, livre, fui dar um abraço. E tudo fez sentido. Não era só um abraço de felicitações, era uma despedida.

Aos poucos tenho reaprendido sobre meu grande calcanhar de Aquiles emocional: as amizades. Fui daqueles moleques que preferia ver TV a descer pro play do prédio e socializar. E cresci fantasiando um ideal de amizade das séries da Sony e Warner, onde amigos se conheciam e viviam eternamente juntos. Enquanto meus colegas tinham como meta beijar aquela ou está menina, minha meta era ter um grande amigo ou amiga, coisa que nunca tive. E não duvido nada que estraguei algumas oportunidades preciosas quando confundi amizade com meus hormônios e me apaixonava, e a outra pessoa se afastava.

O tempo passou, eu cresci, saí de frente da televisão, e, contraditoriamente, na tela do Twitter fui fazendo amizades que começaram a se concretizar no mundo off-line. Amizades que começavam de forma besta, como você ver naquele fluxo de posts de 140 caracteres, uma moleca citando uma frase de uma música pop, e você, só de sacanagem, continuar a outra frase. E, rindo, os dois terminavam de cantar a música inteira. Como certa vez já disse o poetinha "amigos não se fazem, se reconhecem".

Só que aquela idealização aos meus amigos como algo eterno começa a se desmoronar no momento que somos feitos de escolhas. E a minha escolha pode me levar para um caminho bem distante da escolha do outro. E nesse espaço que criamos, outras pessoas surgem no caminho. Amizade tá bem longe de ser aquela coisa simples e idealizada como eu via em "Friends" ou "How I met your mother". Amigo é como gripe: você pega. Mas as vezes é uma simples virose, coisa de dias ou semanas. Às vezes é uma gripe temporária, e logo se desmancha a ponto de você não reconhecer o outro depois de algum tempo afastado, ou pode ser crônica, a ponto de, não importa quanto tempo ficaram separados, o quão longe estiveram, quando o WhatsApp do outro aparece, não surgem cobranças e explicações do sumiço. Na verdade, conversam como se nunca estivessem afastados.

Mas foram anos em que ergui um castelinho da "amizade" e me é muito caro destruí-lo assim facilmente. Sobretudo quando o afastamento, por mais visível que seja, é lento, gradual, sem grandes traumas. Tenho que evoluí muito para saber lhe dar com a opção de que talvez não seja um dos primeiros a saber (e a dizer) dos segredos, medos e  merdas. E eu tenho que aceitar esse mundo líquido, onde, nostalgicamente, vejo o tempo e as pessoas de forma fluida, correndo e escapando entre meus dedos, de laços que, sutilmente, vão se desatando, de pessoas que surgem na sua vida para te ensinar uma coisa e depois desaparecem como um anjo mensageiro. Tudo é incerto, impreciso e aleatório.   Mais do que entender os outros, eu preciso ter consciência disso pois eu também sou um ser assim. Eu também escolho, me afasto, sumo, desato.

Eu podia, como todos, entrar na fila do feliz recém-casal e dar um abraço e continuar na estupenda festa. Mas preferi a discrição, talvez para escutar, no abraço alguma palavra que ainda nos ligasse. Afinal fomos cúmplices, conselheiros, críticos, puxa-saco um do outro. Em uma palavra, amigo. Esperei o melhor momento, a melhor hora, no local mais adequado. Só não recebi o que idealizava. Não, não foi grossa, muito pelo contrário, mas eu tinha me tornado mais um ali na multidão. Foi quando percebi que era uma despedida. Nós tínhamos escolhido seguir caminhos diferentes e o afastamento é inevitável. Talvez nos falaremos muito um com outro, ainda daremos risadas e iremos correr juntos por muitas vezes. Talvez simplesmente eu vire uma boa memória.

Voltei pro chalezinho do sítio antes do final da festa com o misto de felicidade e melancolia, mas, sobretudo, com a (quase) certeza, de que foi a despedida silenciosa mais linda na qual tive. 

terça-feira, janeiro 19, 2016

Pacto de mediocridade



Certa vez, uma grande amiga disse que se recusava a fazer "pacto de mediocridade" e conversar de forma rasa com pessoas dúbias nas palavras. Aquilo me impactou de tal forma que sei a hora, o local e até a entonação como ela disse isso. O impacto foi menos pelo discurso em si, mas justamente por ela conseguir colocar em palavras algo que sempre senti e nunca consegui achar palavras. 

Não sou de ter muitos amigos, estar rodeados de colegas, de ser o popular. Nos últimos anos, até tentei, confesso. Mas eu acredito em natureza, e não é da minha natureza ser esse ser pop. Pareço uma matraca falando, mas na colossal maioria das vezes, sou aquele ser caladão, com fone no ultimo volume, lendo livro e abstraindo a falsidade que me cerca. Essa falsidade que me enojou a tal ponto que preferi parar de estudar e deixar um doutorado que estava na bucha pra fazer, da mesma forma que me tem feito cada dia querer desesperadamente sair desse aquário de peixes-beta loucos como são os corredores (e não a corrida).

Definitivamente, não sou o melhor dos homens: sou problemático, sou politicamente incorreto, vejo e interpreto muito das coisas de forma torta. Mas uma coisa os - poucos - amigos podem concordar: sou um cara que vê a palavra acima da caneta. Eu falo uma coisa pra você e pode ter certeza que vou falar a mesma coisa pra um terceiro. Isso é "pacto de mediocridade"

Eu não vou dizer a você no inbox  que acho patético postar fotinho de treino com texto motivacional e no dia seguinte postar foto do meu treino com textinho motivacional. (Aos bons de memória: já fiz? Muito. Me arrependo? Não. Tenho vergonha hoje? Pra caralho, ainda mais que todo dia o facebook enche minha TL com vergonha ). Isso é pacto de mediocridade.  Se você faz, ok, vou te tirar da minha TL, mas vou te respeitar porque é a forma como você entende a corrida. Não cabe a mim julgar, a não ser que você se contradiga entre palavras e atos.

Eu não vou chegar numa rodinha de conversa e rir da cara de um fulano de tal que queira vestir capa de justiceiro e cagar regra e posar de influencer , e no whatsapp afagar o ego alheio. Isso é pacto de mediocridade. Nem vou bater palminhas e te elogiar forçadamente (com direito a inúmeros emojis) só pra ficar bem na fita do grupo. Ou deixar você se fuder e depois vir com papinho "posso te falar a verdade, mas só pq sou seu amigo" Isso é pacto de mediocridade elevado ao cubo. E é por isso que tenho orgulho de não fazer parte de nenhum grupo de corrida, porque meus níveis de vergonha alheia são bem maiores que a média suportável.

Eu não vou me aproveitar de algum talento ou capacidade sua  que eu não tenho, bancar o amigo inseparável e quando eu sentir que já peguei tudo ou que não ta dando mais certo, te jogar de lado, e te fazer sentir estuprado moralmente. Isso nem é pacto de mediocridade, é filha da putagem mesmo. 

Aos que ainda estão lendo isso aqui (que na verdade é uma catarse minha exposta, mas não uma novidade a quem me quer bem), saiba que o meu "cara, eu discordo" pode ser considerado uma das maiores provas de que você realmente é meu querido. Pois quaisquer relacionamentos são pautados no diálogo, e só há diálogo quando há duas vozes diferentes. Se eu só concordasse com você, seria um monólogo daqueles malandros de filmes de gangues americanas que sempre vem com aquele amigo-capaxão concordando com Qq merda que ele diga. E isso é pacto de mediocridade e não quero te oferecer isso. Vou falhar com você? Sim. Posso te machucar? Provável, posto que sou humano. Mas não quero te dar esse desprazer. Eu não quero. 

Todos os casos acima eu vi ou fui presenteado. E não foram as primeiras vezes que eles aconteceram. Culpa minha: quis ir contra minha natureza e levei. Deslumbrei-me com as mídias sociais, esqueci que aqui somos o que quiser que queremos ser e acreditei em que não deveria acreditar. Levei, justo. E provavelmente, pra evitar vitimismos , provavelmente fiz isso com alguém.   Dentro do aquário, seja de qual grupo que for,  a gente não tem noção do modo operandis que deixamos nos orientar. 

Meu bode com a corrida não é dessas modinhas  em voga, de pessoas de "saco-cheio", mas que querem mesmo um afago, mil elogios, desde de "poxa, você é tão querido" até o fatal, ponto máximo e orgasmático de quem fala que ta de bode, o "não para não, você é minha INSPIRAÇÃO" (E, escuto , ao fundo, alguém dizendo "consegui!")

O Eu, sinceramente, não vejo mais razões para estar nesse aquário. Nem físico, nem mental, nem , sobretudo, emocional. Pra ser sincero, cada dia mais acho que reencarnei precipitadamente, tal a sensação de incompletude e desorientação com esses tempos. 

quinta-feira, dezembro 03, 2015

Nudez



Existem vários tipos de nudez, ficar pelado é apenas uma. As vezes nem é, dependendo da relação que a pessoa tem em expor seus corpos ao público. Ficar desnudo é ficar exposto de forma fragilizada, vulnerável.

Quando moleque e saía cedo da escola (cedo msm, sempre fui medroso demais para matar aula) ou antes de ir à Igreja ia no shopping do bairro vizinho que, por daqueles acasos da vida, hoje fica a menos de 5 minutos de casa, só para ficar como cachorro ao forno de frango, vendo camisas e bonés de basquete e Hoquei. Eram caras, inacessíveis a quem tinha uma família que vivia no rotatório da C&A. E por isso mesmo, sonhadas, idealizadas.

Parece bobagem e superficialidade eu hoje gostar de andar de camisas e boné de basquete originais. Não é ostentação, tem muito mais a ver com "traumas", uma forma inconsciente de dizer "Vim, vi, (ralei pra caralho) consegui". Fora que quem mora no Rio e é calorento como eu abomina quaisquer tipo de calça. Já corri provas onde qq um, compreensivelmente, usaria calça, e eu lá, de pernocas de fora.

Pois bem, o tiro virou pela culatra e por causa  Hoje, em qse 32 anos de vida, fui constrangido. Um tenis, uma bermuda largada, aquilo que achava suprassumo da estética foi tornado arma para preconceitos para entrar no Banco Itaú.

Tirar o boné, e os óculos escuros  assim que entrei na fila da porta giratória não foi o suficiente. Um bermudão e uma camisa de basquete (de manga - sim existem) foram suficiente pro o vigilante achar que era um ladrão em potencial. Avisei de antemão que estava com um Ipad e que a porta ia travar.

Ignorou-me e a porta travou.

Tirei o Ipad e os carregadores  e aquela moedinha de um real que sempre fica na carteira.

A porta travou. Olhando desconfiado e vendo claramente que as filas se avolumavam, não se fez de rogado fez-me tirar todas as coisas da minha bolsa, sem necessidade, esvaziar a bolsa.Uma hora a bolsinha, aquelas da Golden Four, caiu com meu livro dentro, a única coisa que não tinha tirado. O Vigilante logo concluiu com perfeição


- Viu? tem alguma coisa de metal para a bolsa cair tão pesada.

- É um livro, senhor. Sou professor, estou voltando do trabalho. Será que se viesse de terno e gravata o senhor agiria da mesma forma?

Expus-me,vi minhas coisas no chão, mesmo que não tivesse nada demais, é algo íntimo demais. Estava a beira da rua de um dos bairros que, em época de Natal (O Meier), vive a ter trombadinhas. Senti-me vulnerável. Ainda mais que nesses quinze minutos, criou-se uma fila de pessoas passivas, omissas, que, pensando só em si, ao invés do nitido constrangimento que sofria, me xingavam, me zombavam,me julgavam.

- Você não também não está arrumado para entrar num banco, dizia uma senhora de camisa regata, shortinho jeans e sandália rasteirinha.


E mesmo exposto tudo que tinha, chamando a gerente, ainda fui impedido de entrar.Mesmo afirmando que já tinha ido, naquela hora, ao Banco do Brasil, Santander e Bradesco sem nenhum problema. A coação e os xingamentos da fila me fizeram desistir de insistir de fazer um mísero depósito e quase pedir desculpas por existir. Se for fraqueza dizer que chorei ao sair sob aplausos de uma fila de anônimos omissos  e cara de deboche rindo do vigilante, sou um fraco.

Mas não tanto a ponto de não  ir na delegacia, esperar 3 hora e um inspetor sem paciência e prestar queixa, fazer o boletim e ir buscar reparação. Não, não, seu inspetor, não quero "fuder" o Itaú e ganhar dinheiro por danos morais. É por princípio: agressões em todos os níveis  acontecem a torto e a direito, mas sempre pensamos "Isso não vai dar em nada mesmo". Acabamos por legitimar tais ações, pela impunidade deles proporios acharem que eu iria saí dali e iria pra casa. Insisto que nosso maior problema é a  nossa mentalidade de colonizado que ainda não virou, e que tem como uma das consequencias a passividade. Desistir de levar adiante é contradizer-me.

(Mais assustador é nessas 3 horas ver três homens entrando falando "acabaram de levar meu carro, alguem me ajuda, eles estao presos no engarrafamento e ngm se dar a dignidade de levantar para pelo menos acalmá-lo, embora adorem exibir seus crachás de Policia Civil )

Hoje eu fiquei nu, fui exposto; E respondi sendo o mais cordial e gentil possível com a pessoas ao longo do dia. E nunca esquecer desse ato quando for falar com uma mãe de aluno, ou com eles próprios.

Afinal, Dois erros não dão um acerto.

quarta-feira, novembro 25, 2015

In My Lifetime...(ou "And the Loser teach is... ")


PREFÁCIO
Primeiro de tudo eu tenho que admitir: eu gosto de Hip Hop, Rap, e todas suas variantes. Agradeço a todos os homens das quebradas americanas por alegrarem meus dias, seja em um quando estou apenas livre correndo ou quando estou jogando meu Xbox,  ou mesmo deitado sem fazer nada.  Agradeço desde o moleque Silentó e “watch me”, até Grandmaster Flash e “The Message”, talvez a primeiro início desse movimento do Hip Hop. 

Como um “intelectual” um “professor de História” e outros rótulos que mais me empobrecem que me definem, é meio um heresia afirmar isso, ao mesmo tempo que afirmo que amo Bossa Nova e MPB. Todavia há musica para todo momento. 

Mas dentre todos, o “cara” para mim sempre foi o Jay-z. Lendo sua biografia agora minha admiração aumentou ainda mais. Admiro as suas letras, admiro um cara que tem uma persona que mais parece que come  90% das mulheres gostosas dos EUA (e contando...), é tão generoso e carinhoso que faz aquela fortaleza da Beyoncé (que poderia ter 90% dos homens de face da Terra... e contando...) chorar de saudades e colocar isso num DVD. Admiro o Império que ele criou, mas, acima de tudo admiro a sua capacidade de falar o que levaria cinco páginas em três versos, e explicar melhor que eu...Suas letras em geral falam de uma vida –não politicamente correta que ele viveu, enriqueceu, e quis sair, e foi bem sucedido – E, apesar da ostentação com bebidas caras, Iates, Porsche, mulheres, típica do famoso “Gangstar Rap”, se prestar bem atenção, ele sempre termina seus discos dizendo que o final disso tudo é tortuoso, é cruel, triste, e solitário – seja no abandono, seja a sete palmos do chão, cravados de bala. Sua mensagem é clara: “Moleques, saiam dessas!”

E o que isso tem a ver com minha história? Bem, eu nunca fui traficante, hoje não sou rico, não acabei de beber umas 6 garrafas de Cristal e nem voltei do meu trabalho com minha Porshe. ..Ok, tenho um anjo linda e maravilhosa que suspira de sono ao meu lado agora... mas, eu onde quero chegar é que, contraditoriamente, a música que mais gosto eu não posso tomar para mim. Ele pode estufar o peito e falar e cantar “And the Winner is...”, afinal, ele veio, viu e conquistou. Eu deveria cantar “And The Loser is...”

Então, vamos ao meu Speech! Afinal o Loser Teach  in the building tonight!

terça-feira, dezembro 09, 2014

#HASHTAGS


Estou prestes a completar dez anos de formado em 2015. Mas só de magistério tem quase duas décadas, desde que entrei naquela salinha da escolinha dominical da Igreja onde frequentava (obviamente por conta de um rabo de saia). Não estufo o peito para dizer que os alunos dizem que sou melhor professor de História que já tiveram, tampouco que sou o mais popular. Assim como os cafajestes, só que mais inocentes, eles falam isso para todos. Ou irão falar.  O que me deixa com os ohos marejados, coração palpitante, peito de pombo estufado e sorriso de orelha a orelha por uma semana não é quando vejo que decoraram todos os nomes, datas e aquelas coisas chatas, mas necessárias, da História. Mas é quando eu vejo eles formulando uma opinião com suas próprias pernas ou, sobretudo, quando soltam, corajosamente a uma sala emudecida

- Nelton, eu discordo

Como professor (e isso extrapola os limites do magistério), meu objetivo não é corrigir, enchê-los os alunos de informações e, sorrateiramente, estabelecer “mini-nelton”, onde todos pensam igual a mim, todos me seguem, me veneram, me copiam. E acredite, isso é extramente fácil de fazer. Sinto-me apenas na obrigação de orientar os caminhos, apresentá-los, debater ideias e deixá-los livres a questionar: a mim, a sociedade e em ultima e principal instancia, a si próprios.  Dei aula num pré-vestibular no auge do Rock Emo e via aquela meninada toda com sombrancelhas feitas, pinturas de lágrimas no rosto e todas as parafernalhas.  Se houvesse hashtags na época como hoje, #emocomorgulho seria uma que mais bombaria.  Enquanto outros professores esculhambaram a molecada, eu simplesmente tirei um dia, fui na hora do intervalo para o local mais legal do pré, o pátio dos alunos (o mais chato é a sala dos professores, sempre) e simplesmente comecei a fazê-los questionar “Você sabe realmente o que está fazendo ou apenas moda?”.  Não, não queria acabar com a brincadeira deles ou torná-los chatos, apenas serem conscientes do que estavam fazendo. Mesmo porque eu e você em frente a essa tela que nos divide estamos o tempo todo sendo influenciado por modinhas. E não seguir a moda é uma moda.

Se tens pensamento crítico, para mim, já está preparada para novos caminhos. E pouco importa se você sabe onde foi que Pedro Alvares Cabral desembarcou pela primeira vez, o ano da morte de Guilherme VII ou porque D. Pedro I abdicou do trono.  O que tenho medo é que se tornem cidadãos passivos da sociedade, aprendendo que não precisam se esforçar para ter uma opinião. Hoje, moleque, basta seguir a do professor ou dos seus Pais, mais a frente, de qualquer outro veículo, que sob o manto da idoneidade e da imparcialidade, escondem interesses outros. Em uma palavra resumo: alienação.

E tá cada dia mais fácil esse meu ofício. Eles, meninos e meninas de tudo, já sabem que não precisam se esforçar para ter modelos, referencias, ideias. Há dezenas de caixas espalhadas por aí que eles só precisam entrar e seguir o protocolo passivamente. E quando saio do colégio e tento espairecer em outro espectro, o da corrida, eu simplesmente vejo a mesma coisa.  Homens e mulheres se rotulando por detrás de hashtags de projeto de fitness que só simplificam uma complexidade humana que tanto almejo.  Mulheres e homens seguindo pessoas como se fossem um mito, um profeta que tens os caminhos para o bem-estar e ou a superação de vossos limites.  Na grande maioria, sem racionalização. Soltam hashtags para fazer parte da tribo, em uma necessidade de pertencimento a algum micro-grupo nesse oceano cibernético.  Você, no íntimo, até querer nada contra a corrente, mas tem medo de ir sozinho. Ninguém quer nadar sozinho em direção contrária a maré. A não ser que seja essa a tendência.

Daí a fama repentina de inúmeros blogueiros. O ego, esse fanfarrão, se inflama de tal forma que você se esquece das primeiras ideias para um diarizinho virtual e passa a se auto-intitular formador de opinião. Mais. Passa a agir como se fosse. Quer dizer, num mundo onde é permitido se editar, retocar e camuflar os defeitos, você pode agir como eles, a multidão, a massa, espera que você aja. Sim, porque se não é regra, é tendência atual que nós criemos padrões de condutas para o alheio, mesmo que não haja razão alguma palpável para que se tenha essa expecativa.  O blogueiro vira um ser mitológico, que conduzirá seu povo rumo a Canaã, sua terra prometida, seja ela a barriga tanquinho da fulana do blog y, os 15 quilos a menos que a menina do instagram Y conseguiu, aquele sub-alguma-coisa que os fulanos do portal Z alcançaram, ou, agora finalizar aquele projeto de fazer uma maratona que você leu as meninas de um blog.  Não é a barriga tanquinho que você sempre quis, não são os 15 quilos a menos que você realmente precisa, e ninguém vai te amar menos se você fizer sub ou sobre ou se correr 5km ou 42km, mesmo porque quem não é da corrida não sabe mensurar essa diferença. Não são suas ideias, seus conceitos, seus modelos.  São os dos outros, você vive outra vida que não a sua, sonhos que não são seus. Exatamente, vc entra na caixinhas assim como meus aluninhos do ensino fundamental.

E, infelizmente, eu e alguns amigos e amigas que passaram a escrever sobre corrida e suas experiências acabamos entrando nesse barco.  Escrever, ao menos para mim, é catarse, é forma de me expressar, de brincar com as palavras, de colocar emoção em caracteres frios escritos no silencio da madrugada.  Inspirar, sim. Modelar, jamais.  Escrevo há dez anos, sobre corrida há quase dois, e já li de tudo no meu inbox do face: desde elogios sinceros sobre o texto e a forma, até pedidos para eu ser o treinador de algumas pessoas (o que não é raro, acredite!) e um assustador “Um dia quero ser como você”.  Alguns amigos mais famosos me mostram que certas pessoas até mudam seu login e copiam estruturalmente para ficar igual a do seu ídolo blogueiro.

Isso assusta, porque ninguém, NINGUÉM, sabe realmente como sou por alguns posts de facebook, alguns textos de blogs, um par de tuítes e alguns dígitos no tempo final de minhas corridas. E quer saber? Não quero que saibam. Se posso compartilhar experiencias e as pessoas aproveitarem isso para criarem as suas, terem o seus modelos,  que sejam parecidos ou radicalmente contra os meus, excelente. Mas não me ponha numa redoma de vidro e coloquem num altar, esperando certos padrões de condutas. Eu não sou atleta, posso amar correr e correr forte, pode ser que minha diversão hoje seja baixar ainda meus tempos e que para isso tenha que fazer esse ou aquele sacrificício por um período, mas não esperem de mim coerência. Eu posso postar uma foto comendo um saco de M&M de 1kg que ta guardado aqui, ou virar a noite num barzinho bebendo e falando qualquer merda sem ser corrida. Pode ser que hoje eu treine muito bem e tudo pareça que estou com mega foco em algum sub em maratona e pode ser que amanhã eu simplesmente falte o treino porque...porque... ora, tem que ter porquê? Eu quis, não estava afim. Quem disse que sou exemplo? Quem disse que quero ser formador de opinião? Não, eu não quero.

E meu medo com essa expectativa que criam sobre os “formadores de opinião” é que um dia suas condutas podem simplesmente ser totalmente diferente do que esperam. É a super vegetariana que resolver voltar a ser carnívora, ou o defensor ferrenho do low-carb advogando em defesa dos carboidratos, ou a super corredora que fala “cansei de tudo, vou fazer só Hot-Yoga” ou corredor que treinou feito cão para a maior maratona do mundo e abandona a prova no km 14 para correr com a noiva. E as hordas de admiradores, como ficam? Não era isso que esperávamos, o que vamos fazer? Não temos mais paradigmas a ser seguido, estamos perdidos. A sorte é que para cada um blogueiro se desconstruir para que seus leitores o vejam como apenas um, há trocentos pulando e gritando “Venham comigo, sigam meu modelo. Não pensem, não questionem, não falem. Apenas continuem a nadar comigo. Continuem a nadar. Continuem....”

Como brinco com meus alunos, eu não sou um super-robô que espera o último aluno a sair da sala, me dirijo ao armário, entro e desligo automaticamente para despertar no dia seguinte. Sou de carne e osso. Amo, desamo, odeio, tenho amigos, tenho pessoas que me querem mal, tenho pessoas nas quais desejo que se ferrem lindamente, não porque eu quero, mas porque precisam se fuder no meu ponto de vista. Acerto, erro.  Contradigo-me o tempo todo: um dia quero correr forte uma prova de 10k, outro dia to pensando em parar de correr e ficar só puxando ferro.  Todo ano amaldiçoo os desgraçados que organizam a São Silvestre, mas todo dia 31 to eu lá, correndo com sorriso no rosto. E depois que chego, blasfemo tudo e a todos e digo que é impossível correr lá.  O que sou nas redes sociais, apesar sempre ser  um pequeno retrato editado de mim por mim, é espontâneo, não tem motivações escusas, não pretendem estabelecer uma linha de coerência hipócrita, mas que é admirada por muitos. Não transformo a minha vida num press release ad eternum.  Tão hipócrita quanto é dizer que não entro naquelas mesmas caixas que alienam, que tanto adverto aos meus alunos.  Posto hashtags sim, mas gosto de criar as minhas, brinco de projetos sim, mas são meus, de mais ninguém. Porém  além de saber que faço isso conscientemente, pulo de caixa em caixa. E nunca quis ser outro alguém do que eu já sou.

Uma vez, em uma conversa, uma amiga falou que não ia muito com uma blogueira porque ela parecia meio bipolar, um tanto quanto contraditória. Eu, que conheço a linda blogueira disse “E isso é ruim? Taí a grande virtude dela: ela consegue ser exatamente como ela é na vida  off-line! Isso é um dom!”. 

Sim, pois cada vez mais off-line eu quero ser. Uma vida de mais abraços, beijos, contatos e, sobretudo, da total imprevisibilidade do que você vai falar no minuto seguinte a um bom bate-papo ao vivo. 


#fikadica

quarta-feira, junho 04, 2014

Divagações sobre dança

Geralmente, vivo num mundo particular com meus fones de ouvidos. Mas nunca em ponto de ônibus: dali gosto de escutar conversas alheias, sempre aprendo ou me divirto com alguma coisa.

Houve uma vez que escutei a seguinte frase de uma estudante de dança (presumo ser, acho, não sei): "um bom dançarino não é aquele que te faz querer dançar, mas aquele que te move, mexe, sensibiliza ou mesmo te choca naqueles passos".

Vibrei. Enfim, encontrava palavras para algo que pensava há anos. E voltei a 2007. Época que ainda lia Men's Health (sim, eu tenho um passado obscuro e negro, mas confesso que foi graças a ela que comecei a correr). E lá indicava um DVD imperdível de um tal de Justin Timberlake. Dei risada: conhecia aquele fedelho da época do N'sync e confesso que não via muito potencial naquele moleque não. Mas, benefício da dúvida, lá vamos abrir o Emule e baixar "Future Sex/Lovesounds".

Foram duas horas hipnotizados, assustadoramente.

 Para um TDAH que não consegue ficar 10' sentado num lugar sem se coçar, é de arrepiar. E não, não era pelo Justin. Sim, braço a torcer: aquele moleque tinha um potencial absurdo, tomou vergonha naquela careta, virou homem e ficou foda. Mas o que me hipnotizou eram os dançarinos. Toda aquela desenvoltura, o controle total de cada membro do corpo, a simetria dos gestos entre si, o espaço para o improviso (sim, eu adoro o improviso). Sobretudo pelo claro contraste pelo aquilo que eu não tinha. Poucas coisas eu acredito em dom, o dançar é um desses.

Mas em especial, uma dançarina me chamou a atenção. Não era a melhor nos passos, não era a mais performática, não era mais bonita. Mas era aquela que justamente mais me sensibilizava. Dezenas de dançarinos, eu me pegava prestando atenção somente nela.

O tempo passou, Justin resolveu virar um ator meia b...digo, razoável. E quando voltou ao projeto 20/20, trouxe de volta uma trupe mais enxuta de bailarinos. E quem estava lá? Sim, ela! Melhor! Mais solta! Mais vibrante! Mais apaixonante! Dessa vez não resisti: fui atrás para descobri quem era ela. E descobri que ela é melhor do que eu imaginava. O nome dela é Dana Wilson, e o video promocional dela está aí abaixo (isso é, se você ainda ta lendo isso aqui, né?)

Mas por que essa dissertação toda acerca de uma dançarina, Neltinho? Na verdade não tem razão específica, eu quis, o espaço é meu. Mas, parando para pensar bem, um pensador contemporâneo Ken Robinson em uma conferencia do TED sobre educação falou que nosso sistema educacional é feito do pescoço para cima. Queremos (mesmo que veladamente) que nossos filhos virem médicos, engenheiros, arquitetos, advogados, funcionários públicos e, se nada der certo, professores. E quantos grandes bailarinos, atores, pintores, artistas plásticos,poetas, músicos, cantores, atletas olímpicos não estão agora escondidos debaixo de médicos, advogados, arquitetos e engenheiros medíocres? Falo por mim mesmo. Com certeza hoje não teria tomado o caminho que tomei.

Então, agradeço a Dana por tornar os shows do JT mais fabulosos. Mas, também agradeço a mãe da Dana de permitir e encorajar dela ter sido uma dançarina. Assim como agradeço a cada pai e mãe aqui que incentiva seu filho a fazer um curso que não seja um "pré-sei-lá-o-que".

Arte: a gente precisa. Mais que imaginamos, menos que consumimos.


sexta-feira, julho 05, 2013

Acaso

Amo os acasos. Esses maravilhosos lapsos espaco-temporais que fazem que diferentes pessoas se encontrem. Como um bom herege, acredito que deva ser um daqueles momentos onde Deus desobedece a palavra de usar instrumentos para falar com os homens, e, ao invés disso, vem pessoalmente e coloca nós, peças do tabuleiro, lado a lado. As vezes o encontro inesperado é com nós mesmos.

Em geral, acasos proporcionam uma certa perturbação no seu cotidiano, interferindo no equilíbrio necessário. Tudo se torna imprevisível, você não tem a resposta ou o comportamento certo. A outra pessoa se torna uma esfinge, onde você vai desvendando de enigma em enigma. Assustador e ao mesmo tempo instigante. E então você começa a praticar o velho e bom hábito de escutar a outra pessoa.Sim, escutar. Não apenas ouvir cada palavra, como se fosse um ruído que atrapalhasse o que você está pensando em falar na próxima lacuna de silêncio. Mas prestar atenção na entonação, nos argumentos, nos gestos, pois escutar pressupõe outros sentidos além da audição.

Em alguns momentos caminhamos por aí e alguém cruza seu caminho. A resistência a perturbadora situação nos sugere escapar, voltar a caverna. Ou tornar desse cruzamento, uma interseção, aceitando e encarado como uma experiência valiosíssima. A cada passo, um momento em que tiramos nossas máscaras e a maquiagem; a cada rua atravessada, descamamos um ao outro, conversando sobre tudo e sobre o nada, sem medo de pisar em ovos. Permitimos a nos expor, a revelar aquele lado omitido, obscuro e sombrio, sem medo de julgamentos e, ainda assim, dar risadas disso.  Autorizamo-nos a contar piadas sem graças e falar besteira  e fazer caras e bocas como se fossemos um Mangá porque tivemos vontade e não porque quisemos bancar o engraçadinho. A cantar musica antiga sem estarmos embriagado. A elogiar sem parecer galanteio barato. De debater sobre os rumos do país, sua tese de mestrado, Woody Allen, corrida ou do projetos de beleza que há no Instagram. Aliás, falando em Instagram, e ao contrario dele, tudo aqui é #nofilter. De baixo do lindo sol de inverno entrecruzamos nossa caminhada como dois estranhos e a pertubacao do acaso permitiu que se fomentasse uma linda e fina sintonia. E só há crescimento quando saímos da área de conforto.

Mas,  no final da caminhada, já sob os olhos do luar, e a submersão de uma superficial sensação de intimidade, o lapso espaço-temporal é restabelecido bem como a osmeostase de nossas rotinas.  Quando aquelas duas sombras no calçadão voltam a ser só uma, você se lembra que perdeu a hora, o rumo e o mundo.  Culpa da inspiradora sensação de paz de espírito que este acaso lhe proporcionou.

sábado, dezembro 01, 2012

Morte e Ressureição

Sessenta segundos. Ninguém me obrigou a estar ali. As pernas bambas, o coração descompassado e a plena certeza que ali, naquela raia 1, eu tenho a solidão do mundo em minhas pernas. Dezenas  de pessoas correm juntas e aleatórias naquelas sete raias, mas estão todos sozinhos, a deus-dará de seus objetivos e planos. E quem sou eu, alem de mais um naquele vácuo de passos, suores e bufadas, olhando fixamente para aquele relógio em contagem regressiva, que se apressava para terminar aqueles sessenta segundos.

Cinqüenta segundos.  A volta a calma não é mais a mesma que na primeira vez; o sorriso não é o mesmo que dos primeiros minutos, onde, a passos leves e suaves, os músculos começavam a aquecer. Nem mesma é a  felicidade, naqueles, agora, quarenta segundos, de estar de volta aquele piso avermelhado, que  merece respeito a toda liturgia que a envolve, desde o tênis correto, até os exercícios, que, por mais mais placebo que possam ser para os fisiologistas, funcionam como um momento de concentração para que viria a seguir. Os estímulos eram ousados, e qualquer erro de inicial, por entusiasmo ou arrogância, custariam caro. Maior ousadia, maior responsabilidade. Eles tinham que ser feitos, a qualquer custo, e só eu podia resolver isso. E a experiência já tinha me mostrado, a muita dor, que a brincadeira só começaria a partir da metade, quando aquele maldito acido faria uma visitar a cada músculo de meu corpo.

Trinta segundos. A respiração, outrora já normalizada, continua ofegante, e o corpo, apesar daqueles goles gelados e do resto da água da garrafinha na nuca, permanece em plena ebulição. Os pingos de suor  repintam a pista enquanto o cabeça entra em negociação para que eu pare o relógio. Ninguém está me vigiando, ninguém me censuraria, quiçá, saberia. O corpo agradeceria, e como recompensa, me daria sobrevida  para o derradeiro e melhor estimulo. Que se foda o "No pain, no Gain", não há motivo para me maltratar assim. Só que não consigo, simplesmente não consigo: o relógio continua em sua rápida contagem regressiva já chegando ao vinte segundos e tudo que consigo pensar é que preciso fazer isso. Não penso em fazer pelos meus amigos, pelo treinador, por uma superação emergente e clichê da minha condição humana. Nesse momento sinto-me uma máquina: não há motivações, me despojo de toda sentimentalidade. Eu simplesmente tenho que fazer.

Dez segundos. Um Ultimo gole numa garrafa vazia, ultima tomada de fôlego, ultimo pensamento: "só duas voltas". Visualizo o corpo saindo da inércia,inclinando-se, acelerando na primeira curva, ansiando, naqueles primeiros vinte segundos para ver se o ritmo está adequado. A biomecanica impede que se fique olhando muito para o relógio: braços como âncoras, ditando o ritmo que as passadas curtas e mais freqüentes, a 180 bpm, tentam  acompanhar. Após a primeira volta, o pulmão parece uma bexiga vazia sem a remota possibilidade de encher. A panturrilha lateja, o medo de que ela viesse explodir só não é maior que o medo de não terminar. Não há endorfina no caminho, não há prazer, só a sensação de plenitude e dor. Na ultima curva, olhada no relógio e tudo em ordem.  Em êxtase e dilacerado, aumento a freqüência das passadas, os braços aceleram, o peito estufa, a visão turva: não vejo nada, ninguém, todo o cenário ao me redor se transforma em um grande borrão durante longos e intermináveis dezenove segundos...

 O êxtase enfim chega, em doses cavalares, e sorriso disputa espaço com a necessidade de buscar mais oxigênio e a vontade imensa de gritar, extravasar a felicidade e a dor do ato. Novamente naquela manhã, morri e ressuscitei. Quem disse que seria fácil? Quem disse que seria indolor? Quem disse que não ofegarias? Quem disse que não conseguiria realizar? As pernas estão bambas, caminho torto, mas estou pleno. Sinto-me Deus, sinto-me Lúcifer, sinto que asas brotaram em meus tornozelos e, agora sou Mercúrio.

Não tenho muito tempo para vãs divagações ou mesmo voltar a calma na respiração: olho o relógio e ele, inexoravelmente, me mostra que falta menos de sessenta segundos para o próximo...

segunda-feira, março 19, 2012

Carta-Resposta da C.V.L.B


Prezada Srta. Garbo

                Pedimos desculpas pela demora na resposta: infelizmente, há muitos currículos em nosso banco de dados a serem analisados e o seu foi,culpa de um estagiário, colocado abaixo da pilha já existente. Contudo, seu currículo foi enfim observado e, mais do que isso, investigamos um pouco mais da sua vida para tirarmos qualquertipo de  conclusão. Novamente, solicitamos clemência pela indelicadeza de invadir um pouco da sua privacidade.  Entretanto, fora necessário para estabelecer o relatório subscrito.
                Gostaríamos, assim, de enfatizar, peremptoriamente, a total e completa irrealidade de sua solicitação visando a admissão em nossa associação. Não que sejamos uma sociedade restrita, reclusa, muito pelo contrário, há muitas vagas disponíveis e ociosas. Contudo, o fato é que a senhorita não preenche nenhum pré-requisito estabelecido por nós. Nenhum.
                A começar, permita-nos a indiscrição, pela aparência: onde, meu Deus, em nosso grupo, teríamos alguém com tanta beleza e doçura? A senhorita possui, segundo nossos aparelhos de mensuração, os graus mais altos de causar  encantamento e  fascinação. Aliás, devemos informar que,conta do  seu domínio com o olhar, decorrente de seus “olhos de ressaca” (permita-se usar a expressão machadiana) e seu sorriso contagiante, acabamos por perder um de  nossos melhores agentes, que encontra-se agora em um clínica de reabilitação, hipnotizado e com um sorriso irremovível. Acreditamos que isso seja tenha sido responsabilidade de mademoiselle, pois  últimas palavras dele, antes do sorriso paralisar todo e qualquer esforço de comunicação, foram “ela me chamou de doçura”.
                Não obstante as informações acima, podemos apontar, outrossim,a inadequação de seu jeito e costume ao nosso grupo, uma vez que não aceitamos pessoas com gestos tão formosos e graciosos e de fala mansa, alterando-se apenas em caso de extrema animação ou irritação profunda com grosserias alheias. Igualmente, pessoas que possuem uma bagagem cultural e inteligência acima da média, como detectado por nossos agentes, também não são atributos que esperamos encontrar em nossos membros. Afinal, conseguir fazer comparações entre características arquitetônicas e obras musicais bossanovísticas é algo tão encantador quanto assustador em nossas análises. Ademais, saber combinar sapatos amarelos  e possuir moleskine vermelho como caderno,e, sobretudo, essa alegria insuportavelmente corajosa de ver e encarar o mundo entram nessa interminável lista de inadequações à sua pessoa a nossa agremiação.Iremos, por questão de espaço e por prezarmos uma futura boa relação entre nossas partes, de mergulhar mais afundo em tais pormenores.
                Todaviam, fomos levados a ir além e procuramos entender, através do nosso grupo de psicólogos, filósofos, teólogos, feiticeiros, historiadores e antropólogos, os motivos que levaram à sua solicitação. Conclusivamente, podemos constatar que seja fruto de alguma brincadeira do Divino ou do tinhoso, seja lá no que você acredite. Porque não há nada, absolutamente nada que justifique tal feito: além de todos os fatores supracitados, és verdadeiramente amada (em seu sentido mais amplo e irrestrito e não senso comum do termo), querida e desejada a olhos vistos. És competente profissionalmente, podendo ainda dar-se o luxo de escolher a área de trabalho, e coragem para mudar e sair de qualquer zona de conforto que te incomode, algo raríssimo em dias de crise, como o de agora. Acreditamos que, ou o Divino, ou o tinhoso (por questões de convenção social, nossa tendência é pela segunda opção. Mas não descartamos a primeira, sabe-se lá os propósitos de Deus. Isso se houver propósito), tenha feito algum truque mental em ti, causando, como consequênciaclássica, alguma espécie de confusão, e levando a um estado de alvoroço e, com perdão da palavra, alucinação,o  que culminou com tal absurdo, que é tal pedido.
                Destarte, Srta. Garbo, temos que finalizar informando-lhe que está sendo indeferida,em caráter irrevogável, sua solicitação de ingresso ao Clube dos Vira-Latas. Aliás, mais do que negada, gostaríamos de informá-la que tal pedido fora visto como uma afronta a todos nós, seres sem pedigree quetanto batalhamos  para conseguir 1% de tudo que a senhorita já possui de antemão. Nós, seres apáticos, que não acreditamos no nosso potencial, nem nas nossas capacidades, desde profissionais, sociais e, sobretudo, amorosas. (Quanto as nossas capacidades no último ítem,é infinitesimal, que dá até vontade de gargalhar. De sofrimento, mas, assim mesmo, gargalhar). Nossa congregação é voltada para seres que acham que a palavra “baixa-estima” é  bonita demais para nos designar. Como todo ser sem pedigree, nós,  ao primeiro sinal de afago, já começamos a rolar, virar a barriga, abanamos compulsivamente o rabinho, entre outras alterações de comportamento altamente constrangedoras, sobretudo quando percebemos que o afago era só um afago enada mais. Enfim, esse grupo é para aqueles que as pessoas que nunca acreditam que as pessoas estão ao nosso redor por um querersincero: ou devem estar cumprindoalgum tipo de penitência de vidas passadas  ou juntando galardão antecipadamente. Elogios, carinhos e sorrisos, são o que mais buscamos, e quando os temos, consideramos que é frutode uma pena da outra parte. 

 Ou seja, este grupo não é para a mademoiselle.
 Esperamos que entenda que o caráter imorredouro de nossa decisão não leva em questão fatores pessoais, mesmo porque, se os levassem, você já estaria ingressa eseria nossa principal representante. No entanto, tivemos que ser frios, levando em consideração APENAS aspectos objetivos e mensuráveis,e chegamos à certeza de que a senhorita encontra-se na fila de espera errada. Usando uma metáfora cinematográfico-canina, aqui é a fila para os Vagabundos, não a fila para as Damas. Aliás, estamos fechando uma parceria com o Grupo das Damas com Pedigree, uma vez que elas estão sofrendo muito com a sobrecarga de seres sem qualquer tipo de traço de raça, fazendo solicitação de ingresso naquele grupo, quando deveriam estar ocupando as vagas ociosas aqui esperadas. E enquanto isso, uma verdadeira e genuína Lady aristocrática, querida, está aqui, solicitando admissão,quando nós é que deveríamos estar batendo em sua porta, pedindo um mísero canto de seu olhar. Somos nós que deveríamos pedir um do seu spaghetti,não o contrário. (usando novamente a metáfora canino-cinematofráfica).
                Acreditamos que fomos bastante eloquentes quanto aos motivos de sua não admissão. Todavia, caso queira uma explicação mais detalhada,o que achamos que não irá acontecer,  podemos marcar uma reunião presencial em nossa sede ou um almoço. Isto é, se a senhorita achar que somos dignos para te acompanhar no almoço sem constrangê-la. Caso penses desta forma, não está de toda errada, mas podemos,ainda utilizar os canais virtuais disponíveis em nosso site.
                Pedimos, por fim,  perdão pela extensão do relatório.

                Com os melhores agradecimentos, subscrevo-me com muita consideração. 
                             Colegiado do Grupo dos Vira-Latas do Brasil.