Estou prestes a completar dez
anos de formado em 2015. Mas só de magistério tem quase duas décadas, desde que
entrei naquela salinha da escolinha dominical da Igreja onde frequentava
(obviamente por conta de um rabo de saia). Não estufo o peito para dizer que os
alunos dizem que sou melhor professor de História que já tiveram, tampouco que
sou o mais popular. Assim como os cafajestes, só que mais inocentes, eles falam
isso para todos. Ou irão falar. O que me
deixa com os ohos marejados, coração palpitante, peito de pombo estufado e
sorriso de orelha a orelha por uma semana não é quando vejo que decoraram todos
os nomes, datas e aquelas coisas chatas, mas necessárias, da História. Mas é
quando eu vejo eles formulando uma opinião com suas próprias pernas ou,
sobretudo, quando soltam, corajosamente a uma sala emudecida
- Nelton, eu discordo
Como professor (e isso extrapola
os limites do magistério), meu objetivo não é corrigir, enchê-los os alunos de
informações e, sorrateiramente, estabelecer “mini-nelton”, onde todos pensam
igual a mim, todos me seguem, me veneram, me copiam. E acredite, isso é
extramente fácil de fazer. Sinto-me apenas na obrigação de orientar os
caminhos, apresentá-los, debater ideias e deixá-los livres a questionar: a mim,
a sociedade e em ultima e principal instancia, a si próprios. Dei aula num pré-vestibular no auge do Rock
Emo e via aquela meninada toda com sombrancelhas feitas, pinturas de lágrimas
no rosto e todas as parafernalhas. Se
houvesse hashtags na época como hoje, #emocomorgulho seria uma que mais
bombaria. Enquanto outros professores
esculhambaram a molecada, eu simplesmente tirei um dia, fui na hora do
intervalo para o local mais legal do pré, o pátio dos alunos (o mais chato é a
sala dos professores, sempre) e simplesmente comecei a fazê-los questionar “Você
sabe realmente o que está fazendo ou apenas moda?”. Não, não queria acabar com a brincadeira
deles ou torná-los chatos, apenas serem conscientes do que estavam fazendo.
Mesmo porque eu e você em frente a essa tela que nos divide estamos o tempo
todo sendo influenciado por modinhas. E não seguir a moda é uma moda.
Se tens pensamento crítico, para
mim, já está preparada para novos caminhos. E pouco importa se você sabe onde
foi que Pedro Alvares Cabral desembarcou pela primeira vez, o ano da morte de
Guilherme VII ou porque D. Pedro I abdicou do trono. O que tenho medo é que se tornem cidadãos
passivos da sociedade, aprendendo que não precisam se esforçar para ter uma
opinião. Hoje, moleque, basta seguir a do professor ou dos seus Pais, mais a frente,
de qualquer outro veículo, que sob o manto da idoneidade e da imparcialidade,
escondem interesses outros. Em uma palavra resumo: alienação.
E tá cada dia mais fácil esse meu
ofício. Eles, meninos e meninas de tudo, já sabem que não precisam se esforçar
para ter modelos, referencias, ideias. Há dezenas de caixas espalhadas por aí
que eles só precisam entrar e seguir o protocolo passivamente. E quando saio do
colégio e tento espairecer em outro espectro, o da corrida, eu simplesmente
vejo a mesma coisa. Homens e mulheres se
rotulando por detrás de hashtags de projeto de fitness que só simplificam uma
complexidade humana que tanto almejo.
Mulheres e homens seguindo pessoas como se fossem um mito, um profeta
que tens os caminhos para o bem-estar e ou a superação de vossos limites. Na grande maioria, sem racionalização. Soltam
hashtags para fazer parte da tribo, em uma necessidade de pertencimento a algum
micro-grupo nesse oceano cibernético. Você, no íntimo, até querer nada contra a
corrente, mas tem medo de ir sozinho. Ninguém quer nadar sozinho em direção
contrária a maré. A não ser que seja essa a tendência.
Daí a fama repentina de inúmeros
blogueiros. O ego, esse fanfarrão, se inflama de tal forma que você se esquece
das primeiras ideias para um diarizinho virtual e passa a se auto-intitular
formador de opinião. Mais. Passa a agir como se fosse. Quer dizer, num mundo
onde é permitido se editar, retocar e camuflar os defeitos, você pode agir como
eles, a multidão, a massa, espera que você aja. Sim, porque se não é regra, é
tendência atual que nós criemos padrões de condutas para o alheio, mesmo que
não haja razão alguma palpável para que se tenha essa expecativa. O blogueiro vira um ser mitológico, que
conduzirá seu povo rumo a Canaã, sua terra prometida, seja ela a barriga
tanquinho da fulana do blog y, os 15 quilos a menos que a menina do instagram Y
conseguiu, aquele sub-alguma-coisa que os fulanos do portal Z alcançaram, ou,
agora finalizar aquele projeto de fazer uma maratona que você leu as meninas de
um blog. Não é a barriga tanquinho que
você sempre quis, não são os 15 quilos a menos que você realmente precisa, e
ninguém vai te amar menos se você fizer sub ou sobre ou se correr 5km ou 42km,
mesmo porque quem não é da corrida não sabe mensurar essa diferença. Não são
suas ideias, seus conceitos, seus modelos.
São os dos outros, você vive outra vida que não a sua, sonhos que não
são seus. Exatamente, vc entra na caixinhas assim como meus aluninhos do ensino
fundamental.
E, infelizmente, eu e alguns
amigos e amigas que passaram a escrever sobre corrida e suas experiências acabamos
entrando nesse barco. Escrever, ao menos
para mim, é catarse, é forma de me expressar, de brincar com as palavras, de
colocar emoção em caracteres frios escritos no silencio da madrugada. Inspirar, sim. Modelar, jamais. Escrevo há dez anos, sobre corrida há quase
dois, e já li de tudo no meu inbox do face: desde elogios sinceros sobre o
texto e a forma, até pedidos para eu ser o treinador de algumas pessoas (o que
não é raro, acredite!) e um assustador “Um dia quero ser como você”. Alguns amigos mais famosos me mostram que
certas pessoas até mudam seu login e copiam estruturalmente para ficar igual a
do seu ídolo blogueiro.
Isso assusta, porque ninguém,
NINGUÉM, sabe realmente como sou por alguns posts de facebook, alguns textos de
blogs, um par de tuítes e alguns dígitos no tempo final de minhas corridas. E
quer saber? Não quero que saibam. Se posso compartilhar experiencias e as
pessoas aproveitarem isso para criarem as suas, terem o seus modelos, que sejam parecidos ou radicalmente contra os
meus, excelente. Mas não me ponha numa redoma de vidro e coloquem num altar,
esperando certos padrões de condutas. Eu não sou atleta, posso amar correr e
correr forte, pode ser que minha diversão hoje seja baixar ainda meus tempos e
que para isso tenha que fazer esse ou aquele sacrificício por um período, mas
não esperem de mim coerência. Eu posso postar uma foto comendo um saco de M&M
de 1kg que ta guardado aqui, ou virar a noite num barzinho bebendo e falando
qualquer merda sem ser corrida. Pode ser que hoje eu treine muito bem e tudo
pareça que estou com mega foco em algum sub em maratona e pode ser que amanhã
eu simplesmente falte o treino porque...porque... ora, tem que ter porquê? Eu
quis, não estava afim. Quem disse que sou exemplo? Quem disse que quero ser
formador de opinião? Não, eu não quero.
E meu medo com essa expectativa
que criam sobre os “formadores de opinião” é que um dia suas condutas podem
simplesmente ser totalmente diferente do que esperam. É a super vegetariana que
resolver voltar a ser carnívora, ou o defensor ferrenho do low-carb advogando
em defesa dos carboidratos, ou a super corredora que fala “cansei de tudo, vou
fazer só Hot-Yoga” ou corredor que treinou feito cão para a maior maratona do
mundo e abandona a prova no km 14 para correr com a noiva. E as hordas de
admiradores, como ficam? Não era isso que esperávamos, o que vamos fazer? Não
temos mais paradigmas a ser seguido, estamos perdidos. A sorte é que para cada
um blogueiro se desconstruir para que seus leitores o vejam como apenas um, há
trocentos pulando e gritando “Venham comigo, sigam meu modelo. Não pensem, não
questionem, não falem. Apenas continuem a nadar comigo. Continuem a nadar.
Continuem....”
Como brinco com meus alunos, eu
não sou um super-robô que espera o último aluno a sair da sala, me dirijo ao
armário, entro e desligo automaticamente para despertar no dia seguinte. Sou de
carne e osso. Amo, desamo, odeio, tenho amigos, tenho pessoas que me querem
mal, tenho pessoas nas quais desejo que se ferrem lindamente, não porque eu
quero, mas porque precisam se fuder no meu ponto de vista. Acerto, erro. Contradigo-me o tempo todo: um dia quero
correr forte uma prova de 10k, outro dia to pensando em parar de correr e ficar
só puxando ferro. Todo ano amaldiçoo os desgraçados
que organizam a São Silvestre, mas todo dia 31 to eu lá, correndo com sorriso
no rosto. E depois que chego, blasfemo tudo e a todos e digo que é impossível
correr lá. O que sou nas redes sociais,
apesar sempre ser um pequeno retrato
editado de mim por mim, é espontâneo, não tem motivações escusas, não pretendem
estabelecer uma linha de coerência hipócrita, mas que é admirada por muitos.
Não transformo a minha vida num press release ad eternum. Tão hipócrita quanto é dizer que não entro
naquelas mesmas caixas que alienam, que tanto adverto aos meus alunos. Posto hashtags sim, mas gosto de criar as
minhas, brinco de projetos sim, mas são meus, de mais ninguém. Porém além de saber que faço isso conscientemente,
pulo de caixa em caixa. E nunca quis ser outro alguém do que eu já sou.
Uma vez, em uma conversa, uma
amiga falou que não ia muito com uma blogueira porque ela parecia meio bipolar,
um tanto quanto contraditória. Eu, que conheço a linda blogueira disse “E isso
é ruim? Taí a grande virtude dela: ela consegue ser exatamente como ela é na
vida off-line! Isso é um dom!”.
Sim, pois cada vez mais off-line eu quero ser. Uma vida de mais abraços, beijos, contatos e, sobretudo, da total imprevisibilidade do que você vai falar no minuto seguinte a um bom bate-papo ao vivo.
#fikadica
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