quinta-feira, maio 31, 2007

Viagem Ao Pólo


Eu estava dentro de um bloco de gelo. E como qualquer pessoa de bom senso, estava lá sem saber que estava. Juro, realmente não percebi do inverno que se encontrava meus sentimentos. Meu coração, acostumado a bater descompassado, quiçá arritimado, esquecera-se disto e batia até agora tranqüilo, morno, resignado.

Não que isto me surpreendesse totalmente. Não que isso seja regra, mas as vezes escolhemos a razão (na falta de uma palavra melhor) sob o preço de nos distanciarmos do coração (na falta tb de uma palavra melhor). Em certos momentos da vida, parece que o mundo vai cair sobre seus ombros, e eu tenho o dever de não poder hesitar um segundo. Enquanto a avalanche de compromissos, responsabilidades, tarefas, livros me bombardeiam a torto e a direita, chego a conclusão de que é hora de começar a realizar – conquistar, digo – aqueles meus sonhos, desejos, estes que tantos têm e tão poucos alcanço, menos por falta de vontade do que por oportunidades. E eu tenho essa oportunidade nas minhas mãos! E lá fui eu, nessa caminhada espinhosa, não tendo a percepção que a medida em que eu ia buscar meu lugar ao sol, minha alma se dirigia rumo ao Pólo Sul.

E por um bom tempo permaneci inerte dentro desta geleira. O corpo humano possui a capacidade incrível da adaptabilidade. E só agora, a distância e sob uma segunda perspectiva, vejo que não somente tinha me congelado sem saber como tinha me acostumado com as baixas temperaturas. Mas para mim, estava tudo normal: tinha meus amigos, família, continuava rindo, pranteava em outras. De diferente somente aquela sensação incômoda de que faltava alguma coisa, de uma relativa “incompletude” que me deixava hermeticamente fechado aos outros. Aqueles – poucos - que me amam, eu deixava a distância com aquele meu humor, meu jeito desajeitado e irônico. Sim, o humor é uma ferramenta excelente para deixar as pessoas a margem do seu verdadeiro eu, não pq eu seja uma pessoa triste, que não sorri, mas o meu lado sacarstico é apenas uma pequena faceta do que realmente sou. Assim, poucos sabiam das minhas desilusões, dos amores não correspondidos, das cicatrizes que os outros – e muitas vezes eu mesmo – deixaram em meu peito, e de que aqui estou eu: dentro desse bloco em derretimento.

Derretendo, sim, porque por alguns belos e fugidios minutos, uma fonte intensa de calor apareceu nessas terras geladas. Fechando os olhos me lembrando exatamente como aconteceu: primeiro como num ato impulsivo e imprevisível, um pequeno e brilhante raio de sol penetrou entre uma miríade de nuvens escuras que pintavam o meu céu. Depois, de maneira ousada, como deve ser, foi lentamente competindo seu calor, sua luz, com os ventos gélidos e as nuvens cinzentas, recolorindo a paisagem até então monocromática, chegando,doravante, aquele bloco de gelo que me encontrava. Logo, logo foi ganhando espaço, deixando de ser um simples raio, aumentando consideravelmente seu diâmetro, e meu corpo, outrora acostumado com o breu da noite fria, começou a reagir à claridade e ao brilho daquela luz. O bloco já dava os primeiros sinais de que estava se deformando por conta do calor. Enquanto isso passei a olhar ao meu redor, e me surpreendi ao ver o verde vivo dos campos, as primeiras flores querendo desabrochar. Contemplei o céu e via que as nuvens ainda estavam lá, mas num cantinho minúsculo, ao contrário daquele céu azul de brigadeiro que ali sorria para mim. Finalmente, olhei para mim e maravilhei quando percebi que estava ganhando co, tal como aquelas pessoas da cidade de Pleasentiville em “A Vida em Preto e Branco”.

E foi aí que aquele calor me atingiu em cheio, não mais timidamente como no início, mas agora intenso, forte, porém doce, suave, acolhedor. Percebi que meu coração se aquecia: que saudade tinha – e não sabia – desse calor, deste sentimento tão aconchegante, paz.... Se outrora, estava dormindo mesmo de olhos abertos, agora estou realmente desperto, saboreando cada instante, respirando fundo para não esquecer daquele frescor.

Estava prestes a me desvencilhar de toda aquela crosta de gelo presa em meu corpo, daquela hipotermia que impedia que meu coração fosse completamente aquecido, quando aquele lindo raio de sol se foi. E de volta vieram as nuvens, o frio, o sentimento de solidão. Já não estava tão preso naquele bloco como antes, mas continuo lá. Se é temporário ou não? Se é um prenúncio de uma nova estação? Não sei, acho melhor não me preocupar tanto com isso e deixar de aproveitar esse restinho de calor, que trouxe esse meu sorriso no cantinho da boca e a certeza de que vou sair desse bloco de gelo. Não sei quando, mas vou sair.

Enquanto isso fecho meus olhos, tentando não esquecer um segundo dessa breve primavera, poetizando, mesmo que levianamente, o instante de um beijo.