sexta-feira, janeiro 30, 2009

Ar...



Ali estou eu, sentado naquele banco a esquerda. Observo o mar, sinto a leve brisa cobrir meu rosto. Quisera eu ter a incapacidade absoluta de não precisar deste ar que tanto me inebria. Quisera eu ser completamente insensível ao aconchego que esta me proporciona nesta madrugada, essa paz ao sentir esse vento brando e fresco sobre meu corpo. Ou mesmo dissimular a adrenalina e a endorfina que corriam em minhas veias quando percebia que essa brisa se tornara num tufão e devastava a minha cidade. Quisera eu ser desprovido da necessidade de respirar, de, a todo instante, inspirar e expirar este ar que invade e se apodera de todo meu ser, esse ar que me faz sentir vivo, que me faz ir adiante, que me faz correr maratonas, nadar mares e subir montanhas pelo simples fato de tê-lo mais dentro de mim.

Contudo, querer não é poder (pelo menos por aqui) e cá estou: sentado, respirando, sentindo a brisa acalmar meu corpo, recuperando-me depois de ver minha cidade ser completamente arrasada em frações de segundos. Lá me encontro feliz, otimista, alegre... e morrendo por dentro. Por fora, um homem alegre divertido, carismático, até mesmo interessante. Por dentro, um homem em conflitos, em dúvidas, inseguro, melancólico. O motivo? A vida? Familia? Trabalho? Dilemas existenciais? Nada disso, apenas a incondicional e irrevogável necessidade deste ar.

Respirar um ar que não se pode buscar, que não se pode conquistar, que só pode ser apenas encontrado. Por mais que tentamos ludibriar esta regra, com receitas ali e acolá, o fato é que ele vem até você e não o oposto. E é isso que me dói mais: a impossibilidade da escolha. Não posso escolher tomar o ar do sudoeste, ou do norte, ou do noroeste: o vento vem tão subitamente, tão repentinamente, que só posso aceitá-lo do jeito como vem, sem questionar: eu tenho que respirar, eu preciso respirar. Eu preciso deste ar puro, que emana da fonte mais límpida, totalmente natural, transparente e espontâneo.

Enfim, um ar que, apesar de estar ao meu alcance, não é meu de verdade. Pode até me tangenciar, mas seu alvo é outro. Busca inebriar outra mente, aconchegar outro braço, encher de vida outros pulmões e, assim, completar outro coração. Por acaso quis o destino (este ser tão ingrato) que essa brisa passasse por mim, mas não era sua intenção. Coitada da brisa, mal ela sabe o mal que ela me faz me fazendo tão bem.

E lá estou eu ainda sentado, sabendo que procurar um outro um lugar onde aquele ar não possa estar é uma procura vã, posto sua onipresença. Então me vejo levantando com a solução: passarei a andar pelas ruas com um balão de oxigênio nas costas, desistindo de respirar...


...por enquanto.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Na Cadeira...


Sim, eu te espero.

Não precisa ter tanta pressa. Decerto que ficarei aqui, na esperança de teu regresso. Não te sintas pressionada, tampouco circunscrita ao tempo e ao espaço, apenas vá.

Então vás e procures tua felicidade: vasculhe cada esquina que passar cada cantinho escondido... busque com máxima dedicação e força peculiar. Olhe para os mais formosos rostos e encoste-os com o teu cálido rosto; enlace teus dedos com os melhores dedos; entorpeça, com teus beijos, os mais belos lábios que encontrares. Como disse, vás, e com intensidade e busque-o.

Se, por acaso o encontrar, se entregue de corpo e alma, mente e coração.

Eu estarei aqui, do outro lado. Não mais exageradamente ansioso como um Bentinho a espera de sua Capitolina, na verdade tão sereno que me pergunto se devo ficar aqui, sentado, a tua espera. Teus olhos de ressaca logo respondem tal devaneio. Mas não ficarei inerte, como se fosse um produto harmonicamente acabado para ti. Enquanto buscas desenfreadamente tua felicidade, eu estarei correndo as mais longas distâncias, levantarei os mais pesados dos halteres, e empilharei - ao lado da cadeira que uso para te observar - os mais belos livros de poemas, e os recitarei de cor e salteado.

E assim, quando mais tarde regressares, percebendo que a busca foi vã, pois não encontrastes o amado de tua alma, tomarei tuas lindas e delicadas mãos e direi que não foi vã a tua jornada, pois fora necessária para que este momento acontecesse. Logo após, recitarei com alma e intensidade os poemas mais belos que parecerão que foram escritos sob medida para ti. Sentirás, por exemplo, que Salomão pensara em ti quando escrevera seus cânticos de amor, que eras a musa que fizera Fernando Pessoa achar que sua carta de amor (e de todo o resto da humanidade) era ridícula, e que tu foras aquela que Vinicius de Moraes jurara ser de tudo atento. Erguer-te-ei a tal ponto de se convencer, com razão e sem necessidade da hipócrita modéstia, que és a principal das nove deusas que presidiam às artes da Grécia Antiga. Darei abrigo e proteção em meus braços, e sentirás uma deliciosa sensação de paz e conforto ao refestelar tua cabeça em meu peito. E perceberás que os incontáveis quilômetros percorridos deram-me condicionamento suficiente para desejar, incansavelmente, teus beijos mais doces noite adentro.

E então, viverei tão em ti, tão de ti e tão para ti. E saberei que, enfim, sento-me à sombra daquela que tanto havia desejado.

Agora vá, musa minha, vá. Estarei bem aqui, acompanhado pelos meus devaneios, meus desejos e as poesias.