domingo, março 19, 2006

Notas mentais em um fim de noite.



Em geral esse autor que aqui vos escreve de forma um tanto quanto equilibrada: nem tão frio que parece que você esteja lendo um artigo científico chatérrimo, nem tão pessoal a ponto de invadir certos pontos estratégicos da minha privacidade. Afinal, sou uma pessoa que, quanto mais se convive, mais se tem a sensação que menos o conhece: volúvel, inconstante, e deveras paradoxal.

Mas hoje resolvi mudar: são 3 da manhã, a escuridão da linda madrugada estrelada só é interrompida pelo clarão do meu monitor, e venho de uma festa que mais que me divertiu, méritos da aniversariante e dos velhos amigos de infância que reencontrei, provocou uma avalanche de reflexões, umas mais óbvias que outras. Para isso, talvez terei que mexer em alguns bolsões do meu íntimo, de sentimentos pouco revelados, e meu blog servirá para algo que sempre comprei, mas vivia em branco: um diário.

Não sou muito de sair, pouco vou às festas, nunca fui a uma boate (o máximo que já aconteceu foi virar a noite na casa de um colega falando bobagens através do famoso jogo da verdade), mas dificilmente fico deslocado quando vou a uma festa: meu contato semanal com jovens de 8 a 80 me fez pensar ter uma espécie de cultura paralela, onde o funk, forró, pagode, jovens bêbados, jovens semi-nuas, e mais meia dúzia de obscenidades fossem algo normal para mim. Hoje descobri que essa cultura paralela é uma balela: nunca me senti tão desconfortável e deslocado com os rap’s que rebaixam a posição da mulher a qualquer coisa abaixo de objeto de uso descartável, com uma dúzia de jovens vestidos como dita a moda, bebendo como dita a moda, falando como ditam a moda, se exibindo como se estivessem numa vitrine, como dita a moda. Não to aqui condenando que goste de ser assim, apenas ressaltei esses aspectos para ressaltar ainda mais meu deslocamento. Como foi difícil achar assunto com meus velhos colegas de condomínio, à exceção de uns e outros que eu mantenho contato, como foi árdua a tarefa de tentar falar alguma coisa sem parecer soberbo, arrogante, ou coisa que valha.

Sobre a arrogância, eu tive pavor dessa palavra, era a última coisa que eu queria ser nessa vida, mas volta e meia vejo alguém dizer que eu sou, ou fui em algum momento prepotente: a vez mais dolorida foi quando soube que não passei no mestrado porque o entrevistador tinha me achado arrogante. Preferia continuar conjeturando que não tinha passado por falta de capacidade mesmo. Pois para essa deficiência, a da incapacidade técnica, há um remédio: o estudo, redobrado e melhor explorado. Mas como resolver o problema da arrogância? Até semana passada, se você me perguntasse se era arrogante, seria taxativo em dizer: Não. Hoje já não sei. Às vezes sou hipócrita comigo mesmo, invento algumas desculpas para escamotear a realidade. Inventei, ou dei relevo,o fato de não ser nem melhor, nem pior, apenas diferente. E realmente, sou tão diferente que pareço um E.T. em muitas áreas, características, gestos e atitudes, mas isso não exclui, e hoje tenho mais certeza disso, o fato de que eu me acho bom, para não dizer ótimo, em certas ocasiões. O problema é meu, eu sei, porém, já parou para percebeu como a sociedade impõe uma ditadura da falsa humildade? Como o discurso do humilde, mesmo sendo um tanto quanto forçado em muitas vezes, é mais agradável aos ouvidos do que um discurso onde a pessoa afirma sua plena capacidade no assunto? Logo interpretam que tal pessoa, e no meu caso também, que eu me ache superior aos outros. Logo são chamados de presunçosos. Enfim, na sociedade onde é o ego é supervalorizado, a honestidade de dizer que é bem capacitado em tal área é mal digerido. Se permitem um exemplo, já que vejo que esse texto vai ser tão longo quanto os outros, essa semana, vendo um desses programas de futebol (aqueles que repetem o mesmo lance 36 vezes para confirmar que foi gol: um estranho e viciante hábito dos amantes de futebol), entrevistaram o jogador que tinha feito um belo gol durante um jogo do Fluminense, e ele disse algo parecido com “Eu fui muito bem no lance realmente, me coloquei bem e chutei com categoria...”. Mais estranho do que ver um jogador falando em 1ª pessoa, foi meu pai, tricolor fanático, falar para mim: “Presunçoso esse rapaz”. Em nenhum momento ele desmereceu ninguém, em nenhum momento se mostrou superior, apenas valorizou seu trabalho ( e realmente foi um belo gol). Se isso é ser arrogante, presunçoso, confesso: eu também sou, só não contem para ninguém.

A festa de hoje também serviu para me mostrar como sou diferente, se para melhor ou pior, não me interessa. Não sou o maior exemplo de timidez, entretanto, não sou tão extrovertido como pensava. Não em relação aquela turma de adolescentes que me rodeavam. Senti-me o verdadeiro Eduardo, de Eduardo e Mônica, quando repeti mentalmente umas dezenas de vezes que estava num “festa estranha, com gente esquisita, eu não to legal...”. Tentava, em vão, não me escandalizar com alguns atos, e buscava sempre pensar que era uma cultura diferente da sua, uma educação outra, seres diferentes embora muitos tivessem a minha idade. Talvez seja inspiração freudiana, mas tendemos nessas horas puxar a sardinha para brasa da sentimentalidade: eu sempre me eduquei (não tive conversas desse tipo em casa) a ver a mulher como um ser extraordinariamente maravilhoso, e tratá-la, menos pela moda que existia e mais por posições pessoais, como uma princesa, ser atencioso, carinhoso, e tudo que você tem a permissão para pensar. Cada vez descubro que a grande parte das mulheres, para não ser injusto com as que não são assim, detesta esse tipo de homem. Não é ser grudento, é ser romântico, mas as jovens (quase, nesse momento cai no descuido de falar jovens “de hoje”, como se eu aqui fosse o velho...Bem, já passou.) querem o homem que as ignorem, que não mande flores, que não ligue, e etc...Esse sim, é interessante. Talvez explique a proposição de que elas gostem dele por conta do desafio que seja “domar” a fera, mas será a birra mais forte do que o prazer de se sentir um pouco acima do status de objeto descartável? Sim, porque hoje em dia você já entra num relacionamento, seja em que grau for, já coma data de vencimento estipulada, isso porque a necessidade de se experimentar de tudo se tornou incontrolável. E sinceramente, não sei ser diferente, não consigo ser alguém diferente do que eu sou. Pago certo por isso, as vezes caro demais para minha alma, ao me envolver demais com alguém e sofrer depois que percebo que o único envolvido sou eu; viver com intensidade, amar com mais veemência ainda e se ver acompanhado pela solidão, porque as pessoas esqueceram o que significa a palavra intensidade.

Solidão: foi o que senti quando saía dessa festa. Estava sozinho, tinha rido bastante, feito rir de igual maneira, mas me senti improdutivo. Senti-me como uma espécie de entretenimento televisivo, do qual, ao desligar, é esquecido e que pouco faz refletir. Iria para minha cama sem nenhuma musa para ninar meus sonhos , sem alguém que me fizesse suspirar, rir a toa, que ligasse despretensiosamente, ou melhor: me mandasse um recado virtual, dizendo que pensou em mim (não sei se vocês sabem, mas eu odeio telefone, ouvir a voz de alguém sem vê-la me causa ainda arrepios).Enfim, To indo agora deitar sem alguém que sentisse realmente a minha falta. Sim, é carência, não nego, pelo contrário, uma das características mais explícitas na minha personalidade além da minha baixa estima (Tenho baixa estima e sou arrogante, uau, viva o paradoxo!), é a minha carência. Vocês não têm noção da necessidade do toque para mim, a sede que tenho por palavras de afeto,as de amizade são ótimas, mas me refiro a de amor, o prazer de um abraço, o êxtase de um cafuné. Viver sozinho, como eu vivo, tem lá suas vantagens a curto prazo, mas meu relacionamento com o isolamento não passa de um flerte juvenil. O ato de estar apaixonado me motiva, me faz mais feliz, assim como na maioria das pessoas. Paradoxalmente do que disse aí em cima, sou bastante extrovertidos para algumas coisas e e-x-t-r-e-m-a-m-e-n-t-e tímido para muitas outras. E põe muitas nisso, ô. A principal delas é pedir alguma coisa, não importa qual: dinheiro, dica, livro, cd, namoro, um beijo. Ô coisinha difícil. Para não dizer que nunca pedi, pedi uma única vez, não faz muito tempo: as condições eram favoráveis, o clima também, o local propício, e o não evidente. Para alguém que fica se auto-mutilando por qualquer besteira que fala ou age, que se remói por qualquer coisinha que já aconteceu há anos, isso é a bomba de Hiroshima na minha vã tentativa de romper a timidez com as mulheres. Prefiro, e se prefiro, que elas puxem o papo, que elas tomem a iniciativa, assim é mais fácil eu não errar. E como não tenho o hábito de ficar, tento suprir a necessidade inventando paixões. Agora lanço a pergunta: será que um dia eu vou realmente me apaixonar, sem ser para inteirar alguma necessidade? Uma ótima pergunta para não se responder.

O vazio que estava quando eu fui embora foi esquecido num instante, um instante em que a aniversariante, uma amiga de longa data, se lançou nos meus braços, num breve e intenso abraço, verdadeiro, honesto, emotivo, diferente da maioria dos abraços que dei naquela noite (falo isso porque já amanhece e o quadro de Salvador Dali já se pinta no céu do Rio de Janeiro). Ali senti que toda aquela pressão, aquela avalanche de pensamentos, reflexões, indagações que apareceram em 5 horas de festa se dissiparam. Abraços diferenciais, que falam mais do que mil palavras já fazem parte da minha vida e para quem lê e acompanha minhas divagações. E dessa vez não foi diferente, tão emocionante quanto. Talvez ela nem tenha se apercebido disso. Talvez a gente não perceba como é nas pequeninas coisas, nos simples gestos, atos, palavras que levantamos e derrubamos gigantes. Temos usado nosso tolo tempo em destruir para nos engrandecer, pensar no EU e não em NÓS.

Depois do abraço, entrei no prédio, peguei o elevador, e como vocês podem presenciar, todas as perguntas, as dúvidas, as reflexões, as necessidades, tudo, voltaram a povoar meus pensamentos.

Graças a Deus existem os amigos e seus abraços.





Musica para se escutar nesse post: Diary - Alicia Keys.