quinta-feira, maio 08, 2025

Esfinge

“Você é minha esfinge!”, exclamei, enquanto ela disfarçava um sorriso moleque e provocador dentro de um belo gole do meu Frapuccino que tinha acabado de chegar. A exclamação naquela lanchonete faz sentido: eu sou bom em algumas coisas, e uma delas é  em ler pessoas. Seus humores, seu caráter. Se está bem, ou o contrario. Pode dissimular o quanto for, encher de máscaras sociais ou bancar o personagem: eu enxergo e decifro de longe. E sim, eu entendo que possa parecer meio arrogante, eu te entendo.

É divertido, como um jogo de xadrez humano. Provavelmente mais um  hiperfoco, e dificilmente nada passa incólume a mim. 

Bem, quer dizer... Até ela aparecer.

Vez ou nunca, alguns surgem e bugam meu sistema, trazendo a sensação que desaprendi a jogar xadrez humano. E ela não me faz achar que desaprendi, mas sim que eu sou uma fraude, que nunca soube ler alguém.  Ela é mais poderosa dessas. A mais foda.

E não havia outra definição que pudesse defini-la melhor: um enigma nunca antes desvendado, só que atualizado — em vez do corpo, tinha alma de leão. E o mais belo dos rostos. Enfim, minha esfinge. E como todo desafio, eu fui pro embate: decifrar ou ser devorado. Enquanto ela brincava com canudo enquanto bebia meu café gelado.

Minha mente imagina um grande tabuleiro e avanço minhas peças, analiso seus olhos, cujas pupilas parecem bolas de gude — redondas, lisas, dilatadas para caber a imensidão do mundo.

A princípio, achando que seria partida fácil, reparo que entre brincadeiras com o canudo e paladar infantil, havia encontrado  um misto de surpresa e curiosidade com minha expressão.. Será que ela pensava que dizer que era uma esfinge, minha esfinge, era só mais uma das inúmeras cantadas "cult" de um nerd de história hábil com as palavras? Ou uma fala rebuscada para elevar a autoestima dela?

Antes de concluir a jogada, recuo. Não tenho autoestima para supor o absurdo de  que uma esfinge perfeita  teria problemas de autoestima? Esquece!  Mudo a tática e em vez de atacar, me coloco em defesa, sem sucesso. 15 segundos depois, ela já tinha destruído minha defesa no tabuleiro e na minha vida. A partida mal começou e sinto-me duplamente vulnerável.

Tento uma nova abordagem. E aí vai o raciocínio:  será que ela nunca se viu como um desses seres mitológicos? Talvez ninguém tenha dito a ela o mistério de alta classe que é. Será que ela sabe que sabe  hipnotizar suas vítimas, inocentes (ou ousados demais), as quais estão imersas, afogando-se ao contemplar seus olhos dentro dos seus olhos? E eu conseguiria mergulhar por décadas  sem decifrá-los completamente , tão abundantes e onde se vê  tanta esperança em meio a tanta dor. Tanta generosidade, em meio a tanto trauma, tanto otimismo, em meio a tanto sofrimento.

Ou as que estão abandonadas no deserto,  sem beber ou comer, verdadeiras estátuas de sala, só esperando aquele sorriso. Esse maldito sorriso que não chega a ter uma covinha — porém, no qual a pele repuxa no cantinho da boca que só vem quando está provocando?


Desconfio, na minha arrogância, que a sabe. Ah, ela sabe. Ainda  mais depois do caso, muito estudado, na qual ela enviou uma foto perfeita dela... Pela metade! Apenas metade de seu  cabelo de fogo, parte dos seus olhos e um cadinho daquele malicioso sorriso. Os artigos sobre caso, informam dizem que a  vítima não foi capaz de  decifrar, foi devorada e agora jaz paralisada na cama, sem responder a nenhum estímulo além de fixar olhando aquela imagem, tentando completá-la. Nem aos miados de seus três gatos carentes, ele responde, com olhar bobo e torto. Especialistas concluem a impossibilidade do jovem inocente nunca  mais voltar  à normalidade. Então, ela deve saber, ela tem consciência da imagem-viva na qual ela é. 

Entretanto, vejo-me em dúvidas se ela se colocaria nessa posição de devoradora de almas. Para variar, divago e o tempo se esgota, e perco outra jogada.

Já a esfinge, com leveza, vai minando  e eliminado, elegantemente, minhas melhores peças. Nem disfarça o prazer de ver meu desespero. A sensação que estou jogando contra um grão-mestre super gênio e sou uma criança de 3 anos. O Bispo já foi pro espaço. Estranho é o fato que ver sua risada não me afronta, me satisfaz. Como se eu quisesse perder para escutar sua risada. Sou competitivo, não pode ser assim.

Quase sem defesa, avanço as últimas peças que me restam, enquanro  você me olha como se Capitu tivesse acabado de ser personificada de Dom Casmurro na minha frente, e eu me deparo com esses olhos de cigana, oblíquo e dissimulada.

Será que ela está levemente surpresa por existir alguém tão interessado em desvendá-la? Alguém que não está ali só para resolver o enigma e gritar "eu venci", mas que quer ficar por perto, ser seu parceiro nessa jornada? Afinal, essa vida de "decifra-me ou devoro" é solitária. Se te decifram (e talvez já), vão embora sem  reconhecer a importância de uma esfinge na vida dessas pessoas. Se devoras, não sobra ninguém para conversar ou te abraçar sem julgamentos. Esfinges também têm suas questões. 

Outro desafio seja entender minha própria postura. Um enigma maior para os  terapeutas, para ela e, sobretudo, para mim. Eu sei que serei devorado, faz parte da natureza. Sou eu, sapo, dando carona para um escorpião para atravessar o rio. Por mais grato que o escorpião possa ser, ela vai enfiar seu ferrão no sapo, é a natureza.

E é tão certa como a luz do fogo que estou caminhando no alto de um precipício, sabendo que vou cair — igual ao Coyote do Papa-Léguas segurando uma bomba Acme. A diferença é que caminho sorrindo, acenando e dizendo: "Eu sei para onde estou indo, vai ficar tudo bem". E, como o Coyote, espatifo-me inteiramente. Não uma, nem duas. E assim como o Coyote, na  próxima cena, estou de volta, inteiro, deixando  meu Frapuccino ser surrupiado.

Fecho os olhos e faço a jogada. E ela, tão rápida em seu contra-ataques, titubeia, abaixa a cabeça, sorri sem graça. Ela não tem uma resposta imediata, não sabe reagir, parece que entrou em terreno desconhecido. A esfinge que enfrento é astuta e difícil, mas  ruim em blefar.  Mente tão mal quanto uma criança de 5 anos que não comeu danoninho com a boca coberta do produto. Seus olhos, agora reticentes, dizem que, pelo menos, um cavalo eu tirarei do seu tabuleiro. 

O jogo virou, né?  (Spoiler? Nem um pouco)

Há algo comum entre o homem que não quer apenas decifrar o enigma e a dona do enigma: somos complicados. Antes de ser uma esfinge, era foi uma ave indefesa que, diante das demandas da vida, precisou se reinventar para sobreviver. Eu, por minha vez, desisti da ideia de jogar pro universo esperando por reciprocidade. Nada mais verdadeiro que em chuva de xuxa, no meu colo cai o Tiririca. Se é difícil ser eu, não se compara a dificuldade da esfinge-fênix ser ela própria, sem mascaras. A cada dia tentando decifrar o desafio, mais a conheço. E quanto mais a conheço, menos sei sobre ela.

Contudo já me encontro em um ponto de não retorno: eu já rompi com o mundo e queimei meus navios. Tal qual  Hernán Cortés, que, em 1519, mandou queimar os navios para que seus soldados, assim como eu, não pudessem recuar, nao é fácil.

Lógico que serei elegante de não falar isso para a esfinge. Mas essa conversa está só entre nós dois, né leitor?

Diferente das outras de sua espécie, não tem um gênio indomável nem é fria como o Ártico. É abundante em doçura. Gargalha ao me ver suando para decifrá-la, mas também me diz para não desistir.  Ao contrário dos outros, estou a semanas aqui, não fui devorado e só diz "continue, está bom". Sadismo?  Não sei, mas aqui estou. 

Por trás dos suas pupilas de balebas— e do sorriso que me quebra, há algo nela capaz de aquietar os animais selvagens. Contudo, é esse mesmo mesmo combo que me lança em terremotos, maremotos e chuvas torrenciais.  E nem sempre nessas horas ela está presente com um guarda-chuva. Enquanto me fico todo empapuçado, ela, sabendo que nada seria resolvido, foi descansar, sem avisar. Doce? Muito. Ela é quase uma versão limitadíssima de da melhor bala Fini. Só junto com a doçura vem uma pimenta das mais ardidas.

E nessa hora, volto a olhar para o tabuleiro. Ela já se recuperou e eu deixei escapar uma duas jogadas. Contudo, tenho andado diferente:  a jornada está divertida, não preciso provar nada para ninguém. Estou me levando menos a sério, deixando fluir e parece ser mais gostoso que a vitória em si. Minha teimosia, no entanto, não irá deixar eu abandonar o jogo, por mais que não faça muito mais sentido e o xeque-mate por parte dela é uma questão só de quando, não de se.

Talvez ela tenha uma imagem parcial de si mesma e se assuste quando seus outros lados — o obscuro, o impulsivo — aparecem. E eles sempre aparecem, porque a natureza expõe o que tentamos esconder. Acostumada a viver na adrenalina, ela se protege: ora se fecha como uma concha, ora se envolve em camadas de cebola. Ora foge de tudo e todos, esperando eu concluir minha jogada.  E, já esqueci desse jogo só penso se ela me deixa entrar na concha para cuidar dela.

A vejo com um sorriso manso, lábios desenhados à mão beijando fios de cabelo, enquanto se acaricia suavemente, como se auto-regulasse sua ansiedade. Tal qual quando vê a filha distante por chamada de video. E é uma das imagens tão bonitas e charmosas, que só de pensar , perdi minhas peças mais importantes sem perceber.  Nessa hora só penso em verbos como cuidar, valorizar, respeitar mimar, fazer bem. Sempre sem pressao, cobranças ou julgamentos. No tempo que vier a ser, na  configuração que viera ser. Calmo e tranquilo, mesmo sabendo que minha defesa nessa partida está completamente exposta e vulnerável.

"Leva logo o rei também", penso e imagino que a risada que daria se estivesse falando é não confubulando. Algo que ecoaria mais que qualquer xeque-mate.

Todos temos múltiplas facetas. Não é exclusividade dela. Alguns as deixam fluir naturalmente; outros controlam cada passo. Ela oscila entre os dois. Quando a natureza força suas barreiras, ela se fecha mais — concha mais dura, cebola com mais camadas.  Alguns dias eu no deserto sem ver a esfinge e pedir alguma dica para responder o enigma. Nem mesmo a sua  companhia.

Divaguei e perdi outra jogada. O xeque veio. Aceito a derrota esperando ser devorado, com coração em desalinho, mãos trêmulas  e coração saindo pela boca.  Não obstante, gosto de sentir os olhos dela em mim quando desvio o olhar, estou pronto para ser descartado.

A Esfinge me olha com ternura, e com a leveza de uma bailarina pergunta "você quer continuar? Está bom. Só tenho medo de você se machucar". E eu, que segurei meu pranto para transformar canto, para meu espanto suas palavras desfizeram dois nós. O pavor do seu silêncio e a angústia de ter que fingir que não me importo.

E eu vou tentar e tentar, sem desistir nem nem de tentar, nem de esperar. Não mais pela arrogância inicial na qual eu estufo o peito e digo "eu sei ler todo mundo". Mas sim  que, por não desistir, esperar, me espatifar, essa brincadeira de tentativa e erro, eu me vejo tornando um homem melhor. Sonho agora.
em cores, sonho em vermelho.

Se vou conseguir matar a charada, é outra história. Se, ao desvelar o enigma, terei benefícios, é outra história. Vivo o hoje, tentando controlar a ansiedade.
 

O fluxo da vida é grande demais para caber em controle. Viver num casulo é como tampar vazamento com chiclete: uma hora vai dar merda. A vida fica mais colorida quando permitimos a impulsividade — falar o que queremos, agir antes de pensar, apaixonar-se e desapaixonar-se. Não é irresponsabilidade; é humanidade. 

O ser mitológico e seu devorado/sudito são  mais parecidos que imaginam. E não acredito em coincidências. Eu acredito que se há algum tipo de Deus, não estaria em nenhum de nós, nem em você nem em mim, mas apenas neste pequeno espaço entre nós. Se há algum tipo de mágica neste mundo, deve estar na tentativa de entender alguém compartilhando algo. Eu sei, é quase impossível ter sucesso, mas quem se importa realmente? A resposta deve estar na tentativa.

Ainda assim, é nesse ser  que mora um charme que atrai. Um super ímã de neodímio, o mais forte dos imãs, o qual me arrasta e me faz estar colado a ela, mesmo em situações onde minha obrigação é dizer que não estou diante de nenhuma esfinge.

Só que agora, depois de algumas tentativas sem sucesso, eu nao quero  só desvendar seu mistério, mas também quero entender como ele brilha. Por trás da fachada de esfinge, há cicatrizes de abalos cismicos, nas quais quero apenas cuidar, estancar o sangue, beijar as cicatrizes.

E talvez essa seja a resposta do seu enigma. Não és nenhuma deusa, nenhum ser mitologico. Apenas humana. Ela não é um jogo, nem uma grande charada, nem o mais difícil dos quebra-cabeças. Ela é um universo em expansão.

A vestimenta de esfinge é apenas mais uma proteção para não se deixar se machucar outra vez. Se tinha medo de ser mais um na fila dos devorados, hoje alivia-me ter perdido o medo de nunca ter tentado. Afinal, tudo o que fazemos na vida não é uma forma de sermos um pouco mais amados?


Olho para frente, e ela está na minha frente, sempre esteve. O tabuleiro foi embora, assim minha incapacidade de olhar diretamente para alguém. E ela ainda está la, brincando com canudo enquanto ela  saboreia o restrinjo do meu Frapuccino. Ou melhor: o café gelado em no copo de milk-shake sempre foi dela. Resigno-me à coquinha zero e ao tempo. Porque algumas esfinges não são para resolver, mas para caminhar ao lado — mesmo que a gente tropece nas próprias metáforas.  Lembro-me de quanto ela me faz bem, esqueci da partida e, por hoje, só queria vê-la sorrir. O resto o passar do tempo e a paciência se encarregam.

Mas gostaria de ser uma mosquinha para ouvir sua risada marota quando desembarquei de seu carro. Atordoado. Sem café gelado. Com o sabor de canela ainda dos seus lábios e o tabuleiro desfeito. E um sorriso que me carregou em direção a uma das minhas melhores aulas da vida. Um riso que não é vitória, nem derrota. Só a promessa de que em muito em breve haverá mais uma partida. 

Por pura e total diversão.

Só que dessa vez, só para garantir, vou pedir dois Frapuccinos. 

quarta-feira, janeiro 29, 2025

Na Cadeira

Sim, eu te espero.  

Não precisa ter pressa. Eu vou ficar aqui, quieto, como quem sabe que algumas coisas não podem ser apressadas. Não se prende ao tempo, não se deixa levar pela ansiedade. Vai. Vai com calma, com o coração leve, sem olhar para trás.  

Vai e busca a tua felicidade. Explora cada rua, cada cantinho escondido deste mundo. Investiga com toda a força que há em ti, com toda a paixão que te move. Olha nos olhos de quem cruzar o teu caminho, encosta o teu rosto nos mais bonitos, entrelaça os teus dedos com os que te chamarem a atenção. Beija, se quiseres, os lábios que te parecerem dignos do teu afeto. Vai, como te disse, e busca. Busca com toda a intensidade que o teu peito conseguir carregar.  

E se, por acaso, encontrares aquilo que procuras, entrega-te. Entrega-te por completo, sem medo, sem reservas. Corpo, alma, mente, coração — tudo.  

Eu estarei aqui, do outro lado. Não como um louco desesperado, esperando um amor que talvez nunca chegue. Não. Estarei tranquilo, quase questionando se devo mesmo ficar aqui, sentado, esperando por ti. Mas os teus olhos, esses olhos que carregam marés inteiras de histórias, logo me trazem de volta à realidade. Não vou ficar parado, como um objeto estático, pronto para te servir. Enquanto tu buscas, eu também me movo. Corro distâncias que antes pareciam impossíveis, levanto pesos que me desafiam, empilho livros de poesia ao lado da cadeira onde me sento para te imaginar. E leio. Leio cada verso, cada linha, até decorá-los, até que as palavras se tornem parte de mim.  

E se, caso tu regressares, eu ainda estarei aqui. Vou pegar nas tuas mãos, suaves e delicadas, e te dizer que nada foi em vão. Que cada passo que deste foi necessário para que chegássemos a este momento. E então, vou recitar para ti os poemas mais bonitos, aqueles que parecem ter sido escritos só para nós. Vou te fazer acreditar que Salomão pensava em ti quando escreveu os seus cânticos, que tu eras a musa que fez Fernando Pessoa duvidar de todas as cartas de amor já escritas, que tu eras a razão pela qual Vinicius de Moraes jurou ser "de tudo atento". Vou te elevar ao lugar que mereces: o de uma deusa, a mais bonita das nove musas da Grécia Antiga.  

E quando te envolver nos meus braços, quero sinta uma paz que só o verdadeiro amor pode oferecer. Vais descansar a tua cabeça no meu peito, e ali encontrar o conforto que tanto procuraste. Vais perceber que cada quilômetro que eu percorri, cada peso que eu levantei, foi para te merecer, para te desejar sem cansaço, noite após noite.  

E então, eu vou viver em ti. De ti. Para ti. E vou saber, finalmente, que estou sentado à sombra daquela que sempre sonhei.  

Agora vai, minha musa. Vai. Eu vou ficar bem aqui, com os meus devaneios, os meus desejos e a poesia que um dia será tua.

quarta-feira, dezembro 18, 2024

Gosto é gosto...

Que me perdoem as contidas, mas confesso: tenho um fraco pelas molecas. 

Mulheres que, por trás de um olhar sereno, escondem uma alma travessa, no sentido mais puro e infantil que se possa imaginar. Adoro o brilho que irradiam quando as faço rir de forma despreocupada, da liberdade com que agem, da vontade insaciável de viver e, principalmente, da intensidade de seus espíritos. Não me contento com o fácil; prefiro o desafio: quero aprender, debater, convencer, e até comprar brigas, se for preciso. 

Mas vamos ao que interessa: parece existir um botão invisível que, quando acionado, as faz regressar aos seus 9 ou 10 anos de idade. E isso acontece nos momentos mais inesperados. Aquela moça culta, de ar intelectual e discurso refinado? É justamente ela que se transforma na menina mais encantadora quando se solta. 

Adoro seus gestos impulsivos, seu vocabulário cheio de graça, as brincadeiras sem sentido, as atitudes despretensiosas e, por incrível que pareça, até a habilidade que têm de me deixar sem reação em situações constrangedoras. 

Amo a simplicidade de uma roupa largada numa tarde chuvosa – ou a falta dela –, as guerras de travesseiro, as brigas de pipoca no meio do filme, e até a escolha do pior filme só para fazer piadas. Ou do melhor filme, que acabamos esquecendo porque... bem, você sabe. Amo o jeito dengoso, de gata pidona, seja quando estão doentes, acabando de acordar (e eu poderia passar horas admirando aquela cena desarrumada, com os cabelos rebeldes e um fio de baba no canto da boca) ou em qualquer outro momento. 

Sim, amo – mesmo que nem sempre demonstre – as corridas na areia da praia, os beijos roubados e apaixonados no meio da rua, os banhos de chuva de propósito. Aquele "ligar o foda-se" para o mundo, como se nada mais importasse. Amo as caretas, as implicâncias, as gozações. Amo as provocações intelectuais, as conversas profundas regadas a um bom drink – ou a uma Farinha Láctea no fim da noite. Amo o jeito sorrateiro como ela vai ocupando o sofá, deitando no meu colo e, quando percebo, já está dormindo. 

E, claro, como nada é perfeito (ainda bem), amo até as discussões, os bate-bocas, a projeção de raiva que vem do estresse dessa vida adulta tão cinza. E como tudo isso termina num abraço apertado, seguido de um choro que lava a alma. 

Quem sabe um dia eu encontre alguém tão impulsiva quanto eu, disposta a embarcar em aventuras sem planejamento, mesmo que isso signifique passar o resto do ano no vermelho. 

No fim das contas, amo porque, dessa forma, me sinto livre para amar do jeito que sou. Não preciso pisar em ovos ou caminhar sobre o campo minado de um amor "maduro". É justamente essa profundidade que me fascina nas molecas: um amor que se expressa não só em palavras, mas em gestos que dão vida e significado ao que, de outra forma, seria apenas uma abstração. Um amor infantil, como todos deveriam ser: sem interesses, sem julgamentos, sem traumas, sem vícios. Simplesmente amor. 

Amo, mas confesso que nunca conheci alguém tão louca quanto eu para ler tudo isso e dizer: "Eu sou essa pessoa". Afinal, quem não carrega uma criança dentro de si? Quem não é, no fundo, uma criança disfarçada de adulto?  

terça-feira, outubro 22, 2024

Procura-se... [Re-atualizado]


Procura-se uma musa. Não precisa ser loira, morena, ruiva, não. Também não precisa ser alta, baixa, mediana, tampouco ter nível universitário, mestrado, pós doutorado - que seja apenas inteligente -Não precisa gostar das mesmas coisas do que eu, ler os mesmo livros ou escutar os mesmos cantores, embora isso fosse bom. Não precisa nem mesmo morar perto de mim: pode ser daqui do Rio, ou de Paris, Tailândia ou mesmo da Groelândia (ou em Araruama, tão longe quanto). Requer apenas uma virtude, rara e pouco explorada entre as mulheres: saber me enfeitiçar.

Que consiga me encantar e ocupar todos os espaços de ócio de meus pensamentos com sua imagem, até a hora que, quando eu der por mim, ocupe todo minha mente. Que me motive, inconscientemente, a ser um homem melhor, buscar ser um profissional melhor, um amigo melhor, um amante melhor...enfim, que busque novidades para ter o que contar. Que tenha o dom de fazer com que eu crie uma trilha sonora especial para momentos como esse, só para arranjar só mais um pretexto para lembrar de minha musa. Que me inspire a escrever prosas, poemas, cartas, posts, todas ridículas e passionais.

Que me faça companhia nos meus devaneios: que quando sonhe, conscientemente, numa cena romântica , tipo as de cinema,ou quando imaginar um pôr-do-sol na Lagoa, o céu estrelado de Vassouras, um banho de chuva em Paris ou mesmo um passeio de Gôndola em Veneza ou uma corrida no Central Park (com direito a café no Central Perk), em vez de eu ver uma sombra do meu lado, vejas tu, musa minha.

Que minha relação com essa musa seja de platonismo. Que em um dia pense concretamente que tenho em minhas mãos, que a musa se humanizará só para me dar o prazer de seus beijos, mas que no outro, perceba que, na verdade, quem está no comando não sou eu, que sou um brinquedo nessa história. Que me faça sonhar com seus beijos, seus carinhos, seus abraços, imaginando qual a cor e forma deles. E aí, que fique em suas mãos escolher que caminho devo tomar. Torço eu para que não fique no campo do platonismo, que se torne algo real, concreto,que o amor emergido seja "com grande liberdade, dentro da eternidade e a cada instante".

Mas, se nao for assim, e ela, no dia seguinte, sem eu perceber, desapareça sem deixar, ao menos, um bilhete, eu possa sofrer e, na sofridão, descobri que amei, amei demais. Amei intensamente, como deva ser.


E aí, eu coloque nos classificados, novamente:Procura-se uma musa!



Musica ambiente: Smile (Sorri) - Djavan

quarta-feira, março 30, 2016

Amizade I

Era mais que um abraço. O ar festivo, o sítio desaguando em uma praia paradisíaca, a pequena capela e a suntuosidade da festa dava a quase todos a conotação de um grande evento. A tarde perfeita, num céu azul tão límpido, e o mar que se acalmou quando chegou a rainha da festa, me fizeram jurar que houve um acordo com São Pedro. O rústico dialogando com a ostentação nos mínimos detalhes. Era a festa perfeita e provavelmente não irei ver outra igual.

Contudo, algo me incomodava, uma letargia, uma melancolia, me atormentava e não tinha sido porque misturei a cerveja com whisk. É só fui compreender quando,num brevíssimo espaço de tempo que vi a rainha da festa, minha amiga, livre, fui dar um abraço. E tudo fez sentido. Não era só um abraço de felicitações, era uma despedida.

Aos poucos tenho reaprendido sobre meu grande calcanhar de Aquiles emocional: as amizades. Fui daqueles moleques que preferia ver TV a descer pro play do prédio e socializar. E cresci fantasiando um ideal de amizade das séries da Sony e Warner, onde amigos se conheciam e viviam eternamente juntos. Enquanto meus colegas tinham como meta beijar aquela ou está menina, minha meta era ter um grande amigo ou amiga, coisa que nunca tive. E não duvido nada que estraguei algumas oportunidades preciosas quando confundi amizade com meus hormônios e me apaixonava, e a outra pessoa se afastava.

O tempo passou, eu cresci, saí de frente da televisão, e, contraditoriamente, na tela do Twitter fui fazendo amizades que começaram a se concretizar no mundo off-line. Amizades que começavam de forma besta, como você ver naquele fluxo de posts de 140 caracteres, uma moleca citando uma frase de uma música pop, e você, só de sacanagem, continuar a outra frase. E, rindo, os dois terminavam de cantar a música inteira. Como certa vez já disse o poetinha "amigos não se fazem, se reconhecem".

Só que aquela idealização aos meus amigos como algo eterno começa a se desmoronar no momento que somos feitos de escolhas. E a minha escolha pode me levar para um caminho bem distante da escolha do outro. E nesse espaço que criamos, outras pessoas surgem no caminho. Amizade tá bem longe de ser aquela coisa simples e idealizada como eu via em "Friends" ou "How I met your mother". Amigo é como gripe: você pega. Mas as vezes é uma simples virose, coisa de dias ou semanas. Às vezes é uma gripe temporária, e logo se desmancha a ponto de você não reconhecer o outro depois de algum tempo afastado, ou pode ser crônica, a ponto de, não importa quanto tempo ficaram separados, o quão longe estiveram, quando o WhatsApp do outro aparece, não surgem cobranças e explicações do sumiço. Na verdade, conversam como se nunca estivessem afastados.

Mas foram anos em que ergui um castelinho da "amizade" e me é muito caro destruí-lo assim facilmente. Sobretudo quando o afastamento, por mais visível que seja, é lento, gradual, sem grandes traumas. Tenho que evoluí muito para saber lhe dar com a opção de que talvez não seja um dos primeiros a saber (e a dizer) dos segredos, medos e  merdas. E eu tenho que aceitar esse mundo líquido, onde, nostalgicamente, vejo o tempo e as pessoas de forma fluida, correndo e escapando entre meus dedos, de laços que, sutilmente, vão se desatando, de pessoas que surgem na sua vida para te ensinar uma coisa e depois desaparecem como um anjo mensageiro. Tudo é incerto, impreciso e aleatório.   Mais do que entender os outros, eu preciso ter consciência disso pois eu também sou um ser assim. Eu também escolho, me afasto, sumo, desato.

Eu podia, como todos, entrar na fila do feliz recém-casal e dar um abraço e continuar na estupenda festa. Mas preferi a discrição, talvez para escutar, no abraço alguma palavra que ainda nos ligasse. Afinal fomos cúmplices, conselheiros, críticos, puxa-saco um do outro. Em uma palavra, amigo. Esperei o melhor momento, a melhor hora, no local mais adequado. Só não recebi o que idealizava. Não, não foi grossa, muito pelo contrário, mas eu tinha me tornado mais um ali na multidão. Foi quando percebi que era uma despedida. Nós tínhamos escolhido seguir caminhos diferentes e o afastamento é inevitável. Talvez nos falaremos muito um com outro, ainda daremos risadas e iremos correr juntos por muitas vezes. Talvez simplesmente eu vire uma boa memória.

Voltei pro chalezinho do sítio antes do final da festa com o misto de felicidade e melancolia, mas, sobretudo, com a (quase) certeza, de que foi a despedida silenciosa mais linda na qual tive. 

quinta-feira, dezembro 03, 2015

Nudez



Existem vários tipos de nudez, ficar pelado é apenas uma. As vezes nem é, dependendo da relação que a pessoa tem em expor seus corpos ao público. Ficar desnudo é ficar exposto de forma fragilizada, vulnerável.

Quando moleque e saía cedo da escola (cedo msm, sempre fui medroso demais para matar aula) ou antes de ir à Igreja ia no shopping do bairro vizinho que, por daqueles acasos da vida, hoje fica a menos de 5 minutos de casa, só para ficar como cachorro ao forno de frango, vendo camisas e bonés de basquete e Hoquei. Eram caras, inacessíveis a quem tinha uma família que vivia no rotatório da C&A. E por isso mesmo, sonhadas, idealizadas.

Parece bobagem e superficialidade eu hoje gostar de andar de camisas e boné de basquete originais. Não é ostentação, tem muito mais a ver com "traumas", uma forma inconsciente de dizer "Vim, vi, (ralei pra caralho) consegui". Fora que quem mora no Rio e é calorento como eu abomina quaisquer tipo de calça. Já corri provas onde qq um, compreensivelmente, usaria calça, e eu lá, de pernocas de fora.

Pois bem, o tiro virou pela culatra e por causa  Hoje, em qse 32 anos de vida, fui constrangido. Um tenis, uma bermuda largada, aquilo que achava suprassumo da estética foi tornado arma para preconceitos para entrar no Banco Itaú.

Tirar o boné, e os óculos escuros  assim que entrei na fila da porta giratória não foi o suficiente. Um bermudão e uma camisa de basquete (de manga - sim existem) foram suficiente pro o vigilante achar que era um ladrão em potencial. Avisei de antemão que estava com um Ipad e que a porta ia travar.

Ignorou-me e a porta travou.

Tirei o Ipad e os carregadores  e aquela moedinha de um real que sempre fica na carteira.

A porta travou. Olhando desconfiado e vendo claramente que as filas se avolumavam, não se fez de rogado fez-me tirar todas as coisas da minha bolsa, sem necessidade, esvaziar a bolsa.Uma hora a bolsinha, aquelas da Golden Four, caiu com meu livro dentro, a única coisa que não tinha tirado. O Vigilante logo concluiu com perfeição


- Viu? tem alguma coisa de metal para a bolsa cair tão pesada.

- É um livro, senhor. Sou professor, estou voltando do trabalho. Será que se viesse de terno e gravata o senhor agiria da mesma forma?

Expus-me,vi minhas coisas no chão, mesmo que não tivesse nada demais, é algo íntimo demais. Estava a beira da rua de um dos bairros que, em época de Natal (O Meier), vive a ter trombadinhas. Senti-me vulnerável. Ainda mais que nesses quinze minutos, criou-se uma fila de pessoas passivas, omissas, que, pensando só em si, ao invés do nitido constrangimento que sofria, me xingavam, me zombavam,me julgavam.

- Você não também não está arrumado para entrar num banco, dizia uma senhora de camisa regata, shortinho jeans e sandália rasteirinha.


E mesmo exposto tudo que tinha, chamando a gerente, ainda fui impedido de entrar.Mesmo afirmando que já tinha ido, naquela hora, ao Banco do Brasil, Santander e Bradesco sem nenhum problema. A coação e os xingamentos da fila me fizeram desistir de insistir de fazer um mísero depósito e quase pedir desculpas por existir. Se for fraqueza dizer que chorei ao sair sob aplausos de uma fila de anônimos omissos  e cara de deboche rindo do vigilante, sou um fraco.

Mas não tanto a ponto de não  ir na delegacia, esperar 3 hora e um inspetor sem paciência e prestar queixa, fazer o boletim e ir buscar reparação. Não, não, seu inspetor, não quero "fuder" o Itaú e ganhar dinheiro por danos morais. É por princípio: agressões em todos os níveis  acontecem a torto e a direito, mas sempre pensamos "Isso não vai dar em nada mesmo". Acabamos por legitimar tais ações, pela impunidade deles proporios acharem que eu iria saí dali e iria pra casa. Insisto que nosso maior problema é a  nossa mentalidade de colonizado que ainda não virou, e que tem como uma das consequencias a passividade. Desistir de levar adiante é contradizer-me.

(Mais assustador é nessas 3 horas ver três homens entrando falando "acabaram de levar meu carro, alguem me ajuda, eles estao presos no engarrafamento e ngm se dar a dignidade de levantar para pelo menos acalmá-lo, embora adorem exibir seus crachás de Policia Civil )

Hoje eu fiquei nu, fui exposto; E respondi sendo o mais cordial e gentil possível com a pessoas ao longo do dia. E nunca esquecer desse ato quando for falar com uma mãe de aluno, ou com eles próprios.

Afinal, Dois erros não dão um acerto.

terça-feira, dezembro 09, 2014

#HASHTAGS


Estou prestes a completar dez anos de formado em 2015. Mas só de magistério tem quase duas décadas, desde que entrei naquela salinha da escolinha dominical da Igreja onde frequentava (obviamente por conta de um rabo de saia). Não estufo o peito para dizer que os alunos dizem que sou melhor professor de História que já tiveram, tampouco que sou o mais popular. Assim como os cafajestes, só que mais inocentes, eles falam isso para todos. Ou irão falar.  O que me deixa com os ohos marejados, coração palpitante, peito de pombo estufado e sorriso de orelha a orelha por uma semana não é quando vejo que decoraram todos os nomes, datas e aquelas coisas chatas, mas necessárias, da História. Mas é quando eu vejo eles formulando uma opinião com suas próprias pernas ou, sobretudo, quando soltam, corajosamente a uma sala emudecida

- Nelton, eu discordo

Como professor (e isso extrapola os limites do magistério), meu objetivo não é corrigir, enchê-los os alunos de informações e, sorrateiramente, estabelecer “mini-nelton”, onde todos pensam igual a mim, todos me seguem, me veneram, me copiam. E acredite, isso é extramente fácil de fazer. Sinto-me apenas na obrigação de orientar os caminhos, apresentá-los, debater ideias e deixá-los livres a questionar: a mim, a sociedade e em ultima e principal instancia, a si próprios.  Dei aula num pré-vestibular no auge do Rock Emo e via aquela meninada toda com sombrancelhas feitas, pinturas de lágrimas no rosto e todas as parafernalhas.  Se houvesse hashtags na época como hoje, #emocomorgulho seria uma que mais bombaria.  Enquanto outros professores esculhambaram a molecada, eu simplesmente tirei um dia, fui na hora do intervalo para o local mais legal do pré, o pátio dos alunos (o mais chato é a sala dos professores, sempre) e simplesmente comecei a fazê-los questionar “Você sabe realmente o que está fazendo ou apenas moda?”.  Não, não queria acabar com a brincadeira deles ou torná-los chatos, apenas serem conscientes do que estavam fazendo. Mesmo porque eu e você em frente a essa tela que nos divide estamos o tempo todo sendo influenciado por modinhas. E não seguir a moda é uma moda.

Se tens pensamento crítico, para mim, já está preparada para novos caminhos. E pouco importa se você sabe onde foi que Pedro Alvares Cabral desembarcou pela primeira vez, o ano da morte de Guilherme VII ou porque D. Pedro I abdicou do trono.  O que tenho medo é que se tornem cidadãos passivos da sociedade, aprendendo que não precisam se esforçar para ter uma opinião. Hoje, moleque, basta seguir a do professor ou dos seus Pais, mais a frente, de qualquer outro veículo, que sob o manto da idoneidade e da imparcialidade, escondem interesses outros. Em uma palavra resumo: alienação.

E tá cada dia mais fácil esse meu ofício. Eles, meninos e meninas de tudo, já sabem que não precisam se esforçar para ter modelos, referencias, ideias. Há dezenas de caixas espalhadas por aí que eles só precisam entrar e seguir o protocolo passivamente. E quando saio do colégio e tento espairecer em outro espectro, o da corrida, eu simplesmente vejo a mesma coisa.  Homens e mulheres se rotulando por detrás de hashtags de projeto de fitness que só simplificam uma complexidade humana que tanto almejo.  Mulheres e homens seguindo pessoas como se fossem um mito, um profeta que tens os caminhos para o bem-estar e ou a superação de vossos limites.  Na grande maioria, sem racionalização. Soltam hashtags para fazer parte da tribo, em uma necessidade de pertencimento a algum micro-grupo nesse oceano cibernético.  Você, no íntimo, até querer nada contra a corrente, mas tem medo de ir sozinho. Ninguém quer nadar sozinho em direção contrária a maré. A não ser que seja essa a tendência.

Daí a fama repentina de inúmeros blogueiros. O ego, esse fanfarrão, se inflama de tal forma que você se esquece das primeiras ideias para um diarizinho virtual e passa a se auto-intitular formador de opinião. Mais. Passa a agir como se fosse. Quer dizer, num mundo onde é permitido se editar, retocar e camuflar os defeitos, você pode agir como eles, a multidão, a massa, espera que você aja. Sim, porque se não é regra, é tendência atual que nós criemos padrões de condutas para o alheio, mesmo que não haja razão alguma palpável para que se tenha essa expecativa.  O blogueiro vira um ser mitológico, que conduzirá seu povo rumo a Canaã, sua terra prometida, seja ela a barriga tanquinho da fulana do blog y, os 15 quilos a menos que a menina do instagram Y conseguiu, aquele sub-alguma-coisa que os fulanos do portal Z alcançaram, ou, agora finalizar aquele projeto de fazer uma maratona que você leu as meninas de um blog.  Não é a barriga tanquinho que você sempre quis, não são os 15 quilos a menos que você realmente precisa, e ninguém vai te amar menos se você fizer sub ou sobre ou se correr 5km ou 42km, mesmo porque quem não é da corrida não sabe mensurar essa diferença. Não são suas ideias, seus conceitos, seus modelos.  São os dos outros, você vive outra vida que não a sua, sonhos que não são seus. Exatamente, vc entra na caixinhas assim como meus aluninhos do ensino fundamental.

E, infelizmente, eu e alguns amigos e amigas que passaram a escrever sobre corrida e suas experiências acabamos entrando nesse barco.  Escrever, ao menos para mim, é catarse, é forma de me expressar, de brincar com as palavras, de colocar emoção em caracteres frios escritos no silencio da madrugada.  Inspirar, sim. Modelar, jamais.  Escrevo há dez anos, sobre corrida há quase dois, e já li de tudo no meu inbox do face: desde elogios sinceros sobre o texto e a forma, até pedidos para eu ser o treinador de algumas pessoas (o que não é raro, acredite!) e um assustador “Um dia quero ser como você”.  Alguns amigos mais famosos me mostram que certas pessoas até mudam seu login e copiam estruturalmente para ficar igual a do seu ídolo blogueiro.

Isso assusta, porque ninguém, NINGUÉM, sabe realmente como sou por alguns posts de facebook, alguns textos de blogs, um par de tuítes e alguns dígitos no tempo final de minhas corridas. E quer saber? Não quero que saibam. Se posso compartilhar experiencias e as pessoas aproveitarem isso para criarem as suas, terem o seus modelos,  que sejam parecidos ou radicalmente contra os meus, excelente. Mas não me ponha numa redoma de vidro e coloquem num altar, esperando certos padrões de condutas. Eu não sou atleta, posso amar correr e correr forte, pode ser que minha diversão hoje seja baixar ainda meus tempos e que para isso tenha que fazer esse ou aquele sacrificício por um período, mas não esperem de mim coerência. Eu posso postar uma foto comendo um saco de M&M de 1kg que ta guardado aqui, ou virar a noite num barzinho bebendo e falando qualquer merda sem ser corrida. Pode ser que hoje eu treine muito bem e tudo pareça que estou com mega foco em algum sub em maratona e pode ser que amanhã eu simplesmente falte o treino porque...porque... ora, tem que ter porquê? Eu quis, não estava afim. Quem disse que sou exemplo? Quem disse que quero ser formador de opinião? Não, eu não quero.

E meu medo com essa expectativa que criam sobre os “formadores de opinião” é que um dia suas condutas podem simplesmente ser totalmente diferente do que esperam. É a super vegetariana que resolver voltar a ser carnívora, ou o defensor ferrenho do low-carb advogando em defesa dos carboidratos, ou a super corredora que fala “cansei de tudo, vou fazer só Hot-Yoga” ou corredor que treinou feito cão para a maior maratona do mundo e abandona a prova no km 14 para correr com a noiva. E as hordas de admiradores, como ficam? Não era isso que esperávamos, o que vamos fazer? Não temos mais paradigmas a ser seguido, estamos perdidos. A sorte é que para cada um blogueiro se desconstruir para que seus leitores o vejam como apenas um, há trocentos pulando e gritando “Venham comigo, sigam meu modelo. Não pensem, não questionem, não falem. Apenas continuem a nadar comigo. Continuem a nadar. Continuem....”

Como brinco com meus alunos, eu não sou um super-robô que espera o último aluno a sair da sala, me dirijo ao armário, entro e desligo automaticamente para despertar no dia seguinte. Sou de carne e osso. Amo, desamo, odeio, tenho amigos, tenho pessoas que me querem mal, tenho pessoas nas quais desejo que se ferrem lindamente, não porque eu quero, mas porque precisam se fuder no meu ponto de vista. Acerto, erro.  Contradigo-me o tempo todo: um dia quero correr forte uma prova de 10k, outro dia to pensando em parar de correr e ficar só puxando ferro.  Todo ano amaldiçoo os desgraçados que organizam a São Silvestre, mas todo dia 31 to eu lá, correndo com sorriso no rosto. E depois que chego, blasfemo tudo e a todos e digo que é impossível correr lá.  O que sou nas redes sociais, apesar sempre ser  um pequeno retrato editado de mim por mim, é espontâneo, não tem motivações escusas, não pretendem estabelecer uma linha de coerência hipócrita, mas que é admirada por muitos. Não transformo a minha vida num press release ad eternum.  Tão hipócrita quanto é dizer que não entro naquelas mesmas caixas que alienam, que tanto adverto aos meus alunos.  Posto hashtags sim, mas gosto de criar as minhas, brinco de projetos sim, mas são meus, de mais ninguém. Porém  além de saber que faço isso conscientemente, pulo de caixa em caixa. E nunca quis ser outro alguém do que eu já sou.

Uma vez, em uma conversa, uma amiga falou que não ia muito com uma blogueira porque ela parecia meio bipolar, um tanto quanto contraditória. Eu, que conheço a linda blogueira disse “E isso é ruim? Taí a grande virtude dela: ela consegue ser exatamente como ela é na vida  off-line! Isso é um dom!”. 

Sim, pois cada vez mais off-line eu quero ser. Uma vida de mais abraços, beijos, contatos e, sobretudo, da total imprevisibilidade do que você vai falar no minuto seguinte a um bom bate-papo ao vivo. 


#fikadica

quarta-feira, junho 04, 2014

Divagações sobre dança

Geralmente, vivo num mundo particular com meus fones de ouvidos. Mas nunca em ponto de ônibus: dali gosto de escutar conversas alheias, sempre aprendo ou me divirto com alguma coisa.

Houve uma vez que escutei a seguinte frase de uma estudante de dança (presumo ser, acho, não sei): "um bom dançarino não é aquele que te faz querer dançar, mas aquele que te move, mexe, sensibiliza ou mesmo te choca naqueles passos".

Vibrei. Enfim, encontrava palavras para algo que pensava há anos. E voltei a 2007. Época que ainda lia Men's Health (sim, eu tenho um passado obscuro e negro, mas confesso que foi graças a ela que comecei a correr). E lá indicava um DVD imperdível de um tal de Justin Timberlake. Dei risada: conhecia aquele fedelho da época do N'sync e confesso que não via muito potencial naquele moleque não. Mas, benefício da dúvida, lá vamos abrir o Emule e baixar "Future Sex/Lovesounds".

Foram duas horas hipnotizados, assustadoramente.

 Para um TDAH que não consegue ficar 10' sentado num lugar sem se coçar, é de arrepiar. E não, não era pelo Justin. Sim, braço a torcer: aquele moleque tinha um potencial absurdo, tomou vergonha naquela careta, virou homem e ficou foda. Mas o que me hipnotizou eram os dançarinos. Toda aquela desenvoltura, o controle total de cada membro do corpo, a simetria dos gestos entre si, o espaço para o improviso (sim, eu adoro o improviso). Sobretudo pelo claro contraste pelo aquilo que eu não tinha. Poucas coisas eu acredito em dom, o dançar é um desses.

Mas em especial, uma dançarina me chamou a atenção. Não era a melhor nos passos, não era a mais performática, não era mais bonita. Mas era aquela que justamente mais me sensibilizava. Dezenas de dançarinos, eu me pegava prestando atenção somente nela.

O tempo passou, Justin resolveu virar um ator meia b...digo, razoável. E quando voltou ao projeto 20/20, trouxe de volta uma trupe mais enxuta de bailarinos. E quem estava lá? Sim, ela! Melhor! Mais solta! Mais vibrante! Mais apaixonante! Dessa vez não resisti: fui atrás para descobri quem era ela. E descobri que ela é melhor do que eu imaginava. O nome dela é Dana Wilson, e o video promocional dela está aí abaixo (isso é, se você ainda ta lendo isso aqui, né?)

Mas por que essa dissertação toda acerca de uma dançarina, Neltinho? Na verdade não tem razão específica, eu quis, o espaço é meu. Mas, parando para pensar bem, um pensador contemporâneo Ken Robinson em uma conferencia do TED sobre educação falou que nosso sistema educacional é feito do pescoço para cima. Queremos (mesmo que veladamente) que nossos filhos virem médicos, engenheiros, arquitetos, advogados, funcionários públicos e, se nada der certo, professores. E quantos grandes bailarinos, atores, pintores, artistas plásticos,poetas, músicos, cantores, atletas olímpicos não estão agora escondidos debaixo de médicos, advogados, arquitetos e engenheiros medíocres? Falo por mim mesmo. Com certeza hoje não teria tomado o caminho que tomei.

Então, agradeço a Dana por tornar os shows do JT mais fabulosos. Mas, também agradeço a mãe da Dana de permitir e encorajar dela ter sido uma dançarina. Assim como agradeço a cada pai e mãe aqui que incentiva seu filho a fazer um curso que não seja um "pré-sei-lá-o-que".

Arte: a gente precisa. Mais que imaginamos, menos que consumimos.


sexta-feira, julho 05, 2013

Acaso

Amo os acasos. Esses maravilhosos lapsos espaco-temporais que fazem que diferentes pessoas se encontrem. Como um bom herege, acredito que deva ser um daqueles momentos onde Deus desobedece a palavra de usar instrumentos para falar com os homens, e, ao invés disso, vem pessoalmente e coloca nós, peças do tabuleiro, lado a lado. As vezes o encontro inesperado é com nós mesmos.

Em geral, acasos proporcionam uma certa perturbação no seu cotidiano, interferindo no equilíbrio necessário. Tudo se torna imprevisível, você não tem a resposta ou o comportamento certo. A outra pessoa se torna uma esfinge, onde você vai desvendando de enigma em enigma. Assustador e ao mesmo tempo instigante. E então você começa a praticar o velho e bom hábito de escutar a outra pessoa.Sim, escutar. Não apenas ouvir cada palavra, como se fosse um ruído que atrapalhasse o que você está pensando em falar na próxima lacuna de silêncio. Mas prestar atenção na entonação, nos argumentos, nos gestos, pois escutar pressupõe outros sentidos além da audição.

Em alguns momentos caminhamos por aí e alguém cruza seu caminho. A resistência a perturbadora situação nos sugere escapar, voltar a caverna. Ou tornar desse cruzamento, uma interseção, aceitando e encarado como uma experiência valiosíssima. A cada passo, um momento em que tiramos nossas máscaras e a maquiagem; a cada rua atravessada, descamamos um ao outro, conversando sobre tudo e sobre o nada, sem medo de pisar em ovos. Permitimos a nos expor, a revelar aquele lado omitido, obscuro e sombrio, sem medo de julgamentos e, ainda assim, dar risadas disso.  Autorizamo-nos a contar piadas sem graças e falar besteira  e fazer caras e bocas como se fossemos um Mangá porque tivemos vontade e não porque quisemos bancar o engraçadinho. A cantar musica antiga sem estarmos embriagado. A elogiar sem parecer galanteio barato. De debater sobre os rumos do país, sua tese de mestrado, Woody Allen, corrida ou do projetos de beleza que há no Instagram. Aliás, falando em Instagram, e ao contrario dele, tudo aqui é #nofilter. De baixo do lindo sol de inverno entrecruzamos nossa caminhada como dois estranhos e a pertubacao do acaso permitiu que se fomentasse uma linda e fina sintonia. E só há crescimento quando saímos da área de conforto.

Mas,  no final da caminhada, já sob os olhos do luar, e a submersão de uma superficial sensação de intimidade, o lapso espaço-temporal é restabelecido bem como a osmeostase de nossas rotinas.  Quando aquelas duas sombras no calçadão voltam a ser só uma, você se lembra que perdeu a hora, o rumo e o mundo.  Culpa da inspiradora sensação de paz de espírito que este acaso lhe proporcionou.

sábado, dezembro 01, 2012

Morte e Ressureição

Sessenta segundos. Ninguém me obrigou a estar ali. As pernas bambas, o coração descompassado e a plena certeza que ali, naquela raia 1, eu tenho a solidão do mundo em minhas pernas. Dezenas  de pessoas correm juntas e aleatórias naquelas sete raias, mas estão todos sozinhos, a deus-dará de seus objetivos e planos. E quem sou eu, alem de mais um naquele vácuo de passos, suores e bufadas, olhando fixamente para aquele relógio em contagem regressiva, que se apressava para terminar aqueles sessenta segundos.

Cinqüenta segundos.  A volta a calma não é mais a mesma que na primeira vez; o sorriso não é o mesmo que dos primeiros minutos, onde, a passos leves e suaves, os músculos começavam a aquecer. Nem mesma é a  felicidade, naqueles, agora, quarenta segundos, de estar de volta aquele piso avermelhado, que  merece respeito a toda liturgia que a envolve, desde o tênis correto, até os exercícios, que, por mais mais placebo que possam ser para os fisiologistas, funcionam como um momento de concentração para que viria a seguir. Os estímulos eram ousados, e qualquer erro de inicial, por entusiasmo ou arrogância, custariam caro. Maior ousadia, maior responsabilidade. Eles tinham que ser feitos, a qualquer custo, e só eu podia resolver isso. E a experiência já tinha me mostrado, a muita dor, que a brincadeira só começaria a partir da metade, quando aquele maldito acido faria uma visitar a cada músculo de meu corpo.

Trinta segundos. A respiração, outrora já normalizada, continua ofegante, e o corpo, apesar daqueles goles gelados e do resto da água da garrafinha na nuca, permanece em plena ebulição. Os pingos de suor  repintam a pista enquanto o cabeça entra em negociação para que eu pare o relógio. Ninguém está me vigiando, ninguém me censuraria, quiçá, saberia. O corpo agradeceria, e como recompensa, me daria sobrevida  para o derradeiro e melhor estimulo. Que se foda o "No pain, no Gain", não há motivo para me maltratar assim. Só que não consigo, simplesmente não consigo: o relógio continua em sua rápida contagem regressiva já chegando ao vinte segundos e tudo que consigo pensar é que preciso fazer isso. Não penso em fazer pelos meus amigos, pelo treinador, por uma superação emergente e clichê da minha condição humana. Nesse momento sinto-me uma máquina: não há motivações, me despojo de toda sentimentalidade. Eu simplesmente tenho que fazer.

Dez segundos. Um Ultimo gole numa garrafa vazia, ultima tomada de fôlego, ultimo pensamento: "só duas voltas". Visualizo o corpo saindo da inércia,inclinando-se, acelerando na primeira curva, ansiando, naqueles primeiros vinte segundos para ver se o ritmo está adequado. A biomecanica impede que se fique olhando muito para o relógio: braços como âncoras, ditando o ritmo que as passadas curtas e mais freqüentes, a 180 bpm, tentam  acompanhar. Após a primeira volta, o pulmão parece uma bexiga vazia sem a remota possibilidade de encher. A panturrilha lateja, o medo de que ela viesse explodir só não é maior que o medo de não terminar. Não há endorfina no caminho, não há prazer, só a sensação de plenitude e dor. Na ultima curva, olhada no relógio e tudo em ordem.  Em êxtase e dilacerado, aumento a freqüência das passadas, os braços aceleram, o peito estufa, a visão turva: não vejo nada, ninguém, todo o cenário ao me redor se transforma em um grande borrão durante longos e intermináveis dezenove segundos...

 O êxtase enfim chega, em doses cavalares, e sorriso disputa espaço com a necessidade de buscar mais oxigênio e a vontade imensa de gritar, extravasar a felicidade e a dor do ato. Novamente naquela manhã, morri e ressuscitei. Quem disse que seria fácil? Quem disse que seria indolor? Quem disse que não ofegarias? Quem disse que não conseguiria realizar? As pernas estão bambas, caminho torto, mas estou pleno. Sinto-me Deus, sinto-me Lúcifer, sinto que asas brotaram em meus tornozelos e, agora sou Mercúrio.

Não tenho muito tempo para vãs divagações ou mesmo voltar a calma na respiração: olho o relógio e ele, inexoravelmente, me mostra que falta menos de sessenta segundos para o próximo...