PREFÁCIO
Primeiro de tudo eu tenho que admitir: eu gosto de Hip Hop, Rap, e todas suas
variantes. Agradeço a todos os homens das quebradas americanas por alegrarem
meus dias, seja em um quando estou apenas livre correndo ou quando estou
jogando meu Xbox, ou mesmo deitado sem
fazer nada. Agradeço desde o moleque
Silentó e “watch me”, até Grandmaster Flash e “The Message”, talvez a primeiro
início desse movimento do Hip Hop.
Como um “intelectual” um “professor de História” e
outros rótulos que mais me empobrecem que me definem, é meio um heresia afirmar
isso, ao mesmo tempo que afirmo que amo Bossa Nova e MPB. Todavia há musica
para todo momento.
Mas dentre todos, o “cara” para mim sempre foi o Jay-z. Lendo sua biografia
agora minha admiração aumentou ainda mais. Admiro as suas letras, admiro um
cara que tem uma persona que mais parece que come 90% das mulheres gostosas dos EUA (e
contando...), é tão generoso e carinhoso que faz aquela fortaleza da Beyoncé
(que poderia ter 90% dos homens de face da Terra... e contando...) chorar de
saudades e colocar isso num DVD. Admiro o Império que ele criou, mas, acima de
tudo admiro a sua capacidade de falar o que levaria cinco páginas em três
versos, e explicar melhor que eu...Suas letras em geral falam de uma vida –não politicamente
correta que ele viveu, enriqueceu, e quis sair, e foi bem sucedido – E, apesar
da ostentação com bebidas caras, Iates, Porsche, mulheres, típica do famoso “Gangstar Rap”,
se prestar bem atenção, ele sempre termina seus discos dizendo que o final
disso tudo é tortuoso, é cruel, triste, e solitário – seja no abandono, seja a
sete palmos do chão, cravados de bala. Sua mensagem é clara: “Moleques, saiam
dessas!”
E o que isso tem a ver com minha história? Bem, eu nunca fui
traficante, hoje não sou rico, não acabei de beber umas 6 garrafas de Cristal e
nem voltei do meu trabalho com minha Porshe. ..Ok, tenho um anjo linda e
maravilhosa que suspira de sono ao meu lado agora... mas, eu onde quero chegar
é que, contraditoriamente, a música que mais gosto eu não posso tomar para mim.
Ele pode estufar o peito e falar e cantar “And the Winner is...”, afinal, ele
veio, viu e conquistou. Eu deveria cantar “And The Loser is...”
Então, vamos ao meu Speech! Afinal
o Loser Teach in the building tonight!
I.
Tal como o Jigga, eu desde adolescente já tinha um sonho a viver. Queria ser
professor, Não sabia de quê, mas professor. História caiu no colo por eu
justamente gostar de ler História e odiar a forma que TODOS tentavam em vão me
ensinar. Dormia, matava aula (meus pais não estão lendo isso, né?), mas era eu
que ensinava aos meus colegas nos tempos vagos nos fundos da minha amada
Adolpho Bloch. E de tanto sonhar, tinha
hábitos esquisitos, tais como descer um ponto antes da Escola e ir sonhando
acordado em como eu seria como professor. E com dezesseis anos eu já tinha
definido como seria: alguém que fizesse com que os alunos tivessem prazer, e
não obrigação, de ir à Escola num sábado as sete da manhã, como meu professor
de Geografia, Luciano, despertavam em mim.
Agradeço ao Luciano, todas as piadas
non sense, e comparações toscas que fizeram meus alunos rirem nesses dez ano de
magistério.
Daí veio a faculdade e a descoberta do que era realmente
estudar. Aluno “exemplar” até o terceiro período, quando conheci o professor de
Teoria da História, Paulo Cavalcante. E ao contrário de todos os professores,
ele não lia o texto na sala, não dissecava linha por linha do texto no quadro.
Pelo contrário, ficava sentado na mesa, montava a sala em U, mudava sua posição
na sala para nos tirar daquele foco tradicional de aula. E eu me via que não
precisava escrever uma linha do que ele dizia (e olha que era uma matéria
extremamente abstrata), eu lembrava de tudo... transformava sozinho informação
em conhecimento, instâncias diferentes. Mais. Eu lembro de quase todas as aulas dele.
E de todos os professores que eu sequer tenho uma anotação num caderno. Em compensação, aquelas primeiras anotações eu
releio e me pergunto “eu estudei isso? Gente, o que ele estava dizendo nesse
dia?”.
Agradeço ao Paulo a me apresentar Rubem Alves e definir que minha didática
seria de não ser um “conteudista”, não encher o quadro branco de informações,
datas e nomes, que fariam alunos entendiados e pais felizes, pois, ainda hoje, pra
boa maioria dos pais, professor bom é aquele que acaba com livro e o caderno
tais como se fossem papel higiênico: tem que ir até o final.
Com essas letras e sampleando a batida de “Estudo Errado” de Gabriel, o
Pensador (“Manhêeee, tirei dez na escola”...),
eu partir pra começar meu Rap. Passei no mestrado, passei no concurso público,
e, um moleque gordo e nerd que estudou numa escola municipal perto do Morro,
que viu pais de amigos assassinados, que viu amigos perderem para as drogas,
que viu o descaso de professores e do sistema, tornou-se um um professor de
história politicamente correto
relativamente com uma estabilidade financeira, que me faz, apertado, a
realizar seus dois sonhos de consumo: comprar camisas de basquete originais e
viajar. Saí ileso de um discurso de que
nunca seria nada, saí ileso da descrença da minha família de que estava
desperdiçando meu talento escolhendo ser professor, fui atrás do meu sonho e transformei toda
minha amargura em missão: Queria fazer acreditar neles, em confiar em seus
sonhos, em não se abandonar, e de descobrir que são nos piores momentos que nos
definimos, e que, apesar do mundo não ser cor de rosa, e terem que ralar muito,
com um sorriso no rosto mostrar que era possível, e fato, serem melhores do que
eu sou hoje.
II.
Só que o Comando Delta, da outra quebrada, ao saber dos meus planos, vieram em
massa, me apresentando algumas coisas que não sabia.
Disseram para eu pegar e mudar um sistema onde se premia o que
deliberadamente não quer nada, ou seja, escolheu isso, a aquele rala, estuda,
ao dar ao primeiro passeios, mãos na cabeça, aprovações non sense, enquanto o
segundo não fazia mais do que, como dizem meus colegas, “mais do que sua
obrigação”. O governo, para nos dar migalhas de um 14º salário no ano seguinte,
colocavam professor contra professor, nos fazia aprovar quem não merecia,
aumentar e camuflar as notas, as faltas, os números, nos tornando prostitutos
da educação. Perdia minha dignidade enquanto professor e Gritava em vão. Mas
sobrevivi.
Ao falar em meus colegas, me mandaram pegar e mudar uma classe que só pensa só
para si, que querem que seus alunos sejam cópias perfeitas suas, ovelhas tais
como súditos de um pastor evangélico: acríticos,
deixando serem oprimidos com medo da retaliação do opressor ou, pior,
acreditando que era esse curso natural das coisas. Professores que na sua
maioria, não se envolvem, estão pouco se fudendo para o tal “currículo oculto”
e, em pleno século XXI, ainda rotulam seus alunos pelo lugar que sentam e pouco
se importando que os melhores alunos podem ter problemas tão ou maiores que o
jovem infrator que surge na sala. Fihos que, como eu, serviam de valvula de
escápula de seus pais e se tornam a “carniça”
de pais adolescentes doentes: surras, palavras de desamor, de
desencorajamento, e, não é raro, abuso sexual que, se lhe fossem denunciados,
daria cadeia e os fariam as mulherzinhas da cela. E, todavia, ainda assim,
professores não ligam a mínima para isso.
Não sejamos hipócritas: certos professores dão nota pelo
estereótipo do aluno, mais do que ele apresenta em sala em desempenho. A
Loirinha linda avoada que senta na primeira fila é sempre 9, 10, enquanto o o
preto, de cabelo pintado e que vem de boné e fazendo "passinho" e escutando funk, mas que é mestre Jedi nas matérias é
sempre 4, 5, 6 no máximo. No início, gritava em vão, mas depois descobri que a
melhor maneira era ficar quieto, morrer por dentro, contorcendo meus rins, em todos os Conselhos de Classe, e, mesmo já
mais combalido, cumprir minha missão com os alunos.
Nota é um indicador, uma
virgula, não o ponto final para uma avaliação. Politicamente incorreto,
aumentava as notas daqueles que eram excelente articuladores em sala de aula,
mas péssimos escritores. Afinal, Jay-Z jamais escreveu um Rap, falava tudo ali
na hora, tudo estava na cabeça.Então, pegava os texto, corrigia os erros –
incontáveis – de português e dava para refazer, mas sem humilhar, como muitos
professores de português faziam com eles, que viravam a “carniça” desses
professores em horário comercial.
(E se você, colega, e se sente ofendido,
desculpe: o botão de voltar é a sua esquerda, e a carapuça está ali do seu
lado)
Perdia, gradativamente, como um tiro lento atrás do outro, minha
esperança. Mas mesmo relutando contra o rótulo de Dom Quixote, sobrevivi. Vendo
mais sangue no chão que no meu corpo, mas sobrevivi. Tinha que sobreviver para
poder falar ao máximo de moleques, ali
escondidos naquelas sombras, “Saiam dessa, moleques”. O final seria cruel,
pressentia.
Não satisfeitos, o comando delta me mandou pegar e mudar os pais
alunos responsáveis . Mudar sua expectativas de vida sobre seus filhos.
Colocaram-me em uma escola não de periferia, mas quase de área rural, longe de
tudo, onde pais não querem que eles façam uma prova para um ensino médio
gratuito de qualidade porque “não quero ver meu filho longe, pode ser ruim pra
ele com essas más companhias”.
Se é ruim
para eles deveria ser pra mim, que me deslocava sozinho de Cascadura às cinco
da manhã e uma hora depois estava numa escola técnica entre o morro da
Mangueira e a Quinta da Boa Vista. No caminho, via clipes de Marcelo D2 na TV
do ônibus (Salve, aliás, D2!), passava por prostituas em final de expediente na
quinta e dava-lhe um olhar simpático e um bom dia sem segundas intenções. Sentia cheiro de maconha ao meu redor todo
tempo. Meus pais deveriam me odiar para me mandar para um lugar disso, mas é de
todo os defeitos que eles têm, a falta de confiança no seu filho não era uma.
E nunca me deu vontade de “puxar um” para me
sentir “parte do grupo” ou por me sentir influenciado pelas letras do Planet
Hemp. Andava só com meninas e não me tornei influenciado em ser homossexual,
como todos achavam, até hoje. Não era dos mais populares da escola, bem longe
disso, mas andava com o grupo que gostava das Boys Band, andava com a turma dos
“evangélicos” e participava, de verdade, dos cultos alguns dias. Andava com a
turma do Rock, com a turma da MPB, descobri que uma escola 30’ dali dava aula
de violão gratuito e eu influenciei uma porrada de gente a fazer curso.
Ou
seja, pai querido que adora ver seu filho em uma gaiola, seja como adorno, seja
com medo de perdê-lo, não é o local que influencia, é se seu filho é
influenciável. E, sangrando, luto com
pais que não querem gastar dinheiro com
seus filhos e reclamam de qualquer trabalho que faça a ousadia de “tira-los” da
internet, a nova babá do século XXI: cuida deles, deixa-os sem vontade comer,
de beber, e vivem alienadamente, mas “seguros” dos perigos desse mundo
cruel.
Perdi a esperança, e gritava. Mas sobrevivi, sem muitos
reflexos, sentado e me sentindo sozinho, olhava para trás, e via uma enxurrada
de olhinhos na sombra, virava pra frente e esporrava “vou até o fim! Esses
gajos estão vendo tudo isso e vão me ajudar. Alguns me ajudaram, mas tiveram
que partir. Aguenta firme, Scarface!”
III.
Por fim, e com sorriso de soslaio, o Comando Delta veio mas
pra frente, me mandou sua última carta: mandou pegar os tais olhinhos nas
sombras e transformá-los, tornando soldados meus. Olhei para trás e de cada
viela sombria, tentei escolhi uma. E pra minha surpresa, quase todas vazias,
e quando dei conta e olhei pra frente de novo, estavam armados ao lado
do Comando que tanto lutei e falei contra: tinham se abandonado, sim, SE
ABANDONADO, acreditando que sua Via Crúcis era aquela, que o que falava era uma
falácia: nasceram para estarem ao lado do Comando Delta.
Levantando, chamei a sombra mais nova, mas a preferida: foram
quatro anos de preparação para não se juntar aos opressores, a não se
oprimirem. Testes foram feitos com aparente sucesso. Risadas, conselhos, choro, troca de
confidências e de experiencias me fazia acreditar que seríamos um time. Não
para sempre, pois eles teriam que partir, eles deveriam partir, mas me
ajudariam naquela hora. Chamei uma, duas vezes, e vieram relutantes.
Fui mais
incisivo e olhinhos deram lugar a expressões sérias, indignadas, afinal “quem
era eu para fazer isso com eles, tão jovens?”
Outros saiam das sombras com um
sorriso debochado enchendo a boca: “Quem vou defender? Ele? O que não dava
conteúdo e só sabia falar das viagens e do café da manhã de sua esposa?”.
Outros saiam passivos, omissos, não querendo aderir a nenhum grupo, mas
esquecendo daquela lição de quem se omite acaba descambando para o grupo
dominante, tudo que eu não era naquele momento.
E meia duzia de soldados
falando “Vamos,Nelton!”.
Não dera tempo: as balas atravessaram minhas costas e já de
joelho, percebi que nenhuma bala saiu do Comando Delta, saiu daqueles olhinhos
outrora envergonhados, outrora medrosos que entrei em muita briga para
defendê-los.
Já não havia mais alternativa: me faltava apenas ou uma
rápida ambulância, ou o tiro de misericórdia.
Agora gargalhando e
zombando do “OTARIO” aqui, o Comando Delta me perguntava o que eu ia escolher.
Fechei os olhos e relutei. Não era vítima: eu escolhi isso,
eu errei muito. Gritei de raiva na hora errada inúmeras vezes, quantas vezes
deixei-os esperando ávidos pela próxima lição e não aparecia? Quantas vezes fui
preguiçoso e também dei notas pelo preconceito do senso comum? Quantas vezes me vendi por migalhas para
comprar camisas como essa que visto, branca e vermelha, vomitando sangue? Quantas
vezes dei prioridade às minhas coisas, e esqueci da minha missão?
As armas engatilhando me lembravam que já estavam
impacientes. Levantei, com ajuda dos poucos daqueles que acreditavam que eu entrei
nessa só para vê-los numa situação diferente dessas e que agora estavam
recebendo ofensas de “súditos”.
Olhei com os olhos marejados para cada um e para todos que
naqueles dez anos eu tive a honra de mais aprender que ensinar que vieram
correndo ao saber do que ocorria em praça pública. Mesmo com os olhos
embaçados, enxerguei cada um, suas carinhas de consternação.
Olhei para todos e num gesto covarde, levantei as mãos, em
rendição. Não aguentava mais, já não suportava mais.Muito embora não tivesse medo de morrer, e sim medo de não tentar, desculpe Deus, você errou e me deu um anjo que preciso cuidar todo dia quando ela sai e volta do trabalho. E não quero deixá-la tão jovem. Tampouco transformando em enfermeira particular de um louco. Ela merece mais que isso.
Pedi, então, que apenas não matassem os que me deram pelas costas, que eles nunca mais me veriam. Melhor, me veriam, mas cumprindo a
cartilha deles, por pura necessidade, tais como tantos outros colegas de sala que
tenho contato. Assentiram, E, de cabeça baixa, sem coragem de quem puxou o coro
entusiasmado de “Vencemos! Vencemos! Um pouco antes do general do Comando Delta, descumprir o acordo e mandar executar em todos que estavam na sua
frente, salvando apenas aquela meia dúzia que me ajudaram a levantar. Muito mais por astúcia desses que por generosidade do General. Enquanto a tudo isso fui caminhando sozinho e cambaleante para
a emergência mais próxima, vendo o mundo girar e apagar assim que deito no primeiro leito que vejo.
EPÍLOGO
Hoje, ainda respiro por aparelhos no hospital, mas já consigo pensar e sentir: frustrado, descrente da mudança,
amargurado, sem força e já vendo os contatos com as leis de direito e da língua
portuguesa para mudar de quebrada quando sai daqui. Qualquer uma, mesmo aquela que não dê satisfação, mas
condições de viajar e correr mais vezes. Recuso-me qualquer papel de herói ou de
vítimas, mas me dói reconhecer que não sou nem sombra daquele moleque de 16
anos que andava pelas ruas de São Cristóvão sonhando em ser professor. Hoje preciso de remédios para dormir e sonhar já é, em si, um sonho.
Enquanto isso, os
corpos executados estão estirados e abandonados pelas ruas, já em decomposição e sendo
banquete de toda sore de ratos, bactérias e urubus.
Já o Comando Delta, em algum canto da cidade, levantam as taças cheias de
Belvederes e gritam “Nós somos os vendedores do anos, os drinks são por conta
da casa”
***
2 comentários:
Enquanto estava lendo me deu uma vontade de chorar. Lembrei daqueles 4 anos e de todos os problemas que cheguei a ver.Onde muitas vezes vi a faca em seu pescoço.
E aqui onde estou agora me vejo sendo só mais uma no meio dessa manipulação. Onde as almas na sala de aula não passam de números. Onde as aulas não passam de uma forma de fazer com que vc decore o conteúdo para tirar o famoso 10, que por muitos mesmo assim não é alcançado e esses ,por fim, viram números falsos. È triste saber que isso que escreveu está longe de ser uma ficção.
Eu chorei.
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