quarta-feira, dezembro 31, 2008

Intensidade

Reencontrei a intensidade dos homens no instante que vi seu rosto. Não estava tão perto a ponto de perceber todos os detalhes daquele sorriso que, inevitavelmente, já me contagiava, nem tão longe que não pudesse perceber o calor por trás de seus olhos castanhos. Achava, pretensiosamente, ser eu o último ser intenso dessa humanidade tão mecânica, porém ao ver aquela face percebi que estava enganado: embora cada vez mais raros, os “intensos” ainda estão por aí, destacando-se dessa massa cada dia mais sem graça.

Se por acaso você, querido amigo leitor, encontrar uma pessoa intensa por perto, não hesite: enlace-a, não a deixe se distanciar e prepare-se, pois, como dizem os comerciais da Sessão da Tarde, “a aventura só está começando”. Faça isso sem pensar duas vezes (aliás, nem pense!), já que os “intensos” são um tipo raro, raríssimo, dentro de uma humanidade quase completamente amorfa, passiva, de indivíduos mornos, vivendo uma vida em tons pastel.

Mas como identificá-los? Muito simples. Primeiramente, não saia procurando, apenas observe. E quando menos esperar você encontrará aquele sorriso... Ah, aqueles olhos! Que indicavam, facilmente, que o que gostam são as cores vivas, vivíssimas. Cores de Almodóvar, de Frida Kahlo. E são os tons extremos que influem suas atitudes: é tão óbvio que a expressão “meio termo” não consta em seu vocabulário. Se amar, ama-se muito, e se odiar, odeia-se muito; ou é lindo ou é completamente horroroso; algo ou é maravilhoso ou horrível. Vive-se a contagiante alegria da paixão ou a dor insuportável da separação ou da solidão. Aquele lindo rosto diferenciava-se daqueles tantos outros que eu via que a rodeavam: não acham as coisas e/ou as pessoas “legalzinhas”, “maneirinhas”, não consideram “normal” um mega evento, uma festa, uma promoção ou mesmo um esperado encontro. Aquele sorriso indicava-me que por trás dele habita uma pessoa que vive ou nos 8 ou nos 80 (porque não 800? Ou mesmo 999?), sem estágios intermediários, buscando sempre o máximo de si, almejando sempre, mas sempre mesmo, o extraordinário que cada instante do presente pode oferecer.

No instante daquele olhar, esqueci-me do que fazia e me peguei devaneando, procurando saber se aquela intensidade era parecida com a que supunha ter. Será que ela teria, assim como eu, o amor como o tema central de sua vida? Pois, afinal, tudo envolve o amor para um “intenso”: a busca contínua pela pessoa especial, por amigos leais, sinceros, confiantes e eternos, por um emprego apaixonante e motivador, por um sentido de viver e até mesmo pela música perfeita, que ora seja em tom maior e uma letra que descreva toda sua alegria, ora seja num tom menor e que relate toda angústia ou melancolia. Alguém que, quando ama, não o faz a prestação, tampouco homeopaticamente. Simplesmente ama, sem orgulhos, nem problemas. Que apesar dos anos sinta ainda borboletas no estômago ou aquele delicioso calafrio na espinha quando vê o amado por perto. Que o motivo de seu amor não seja o “por causa de”, mas sim “apesar de”, isto é, que seus defeitos sejam tão sedutores quanto suas virtudes.

Aqueles olhos me revelavam alguém que se entrega inteiramente ao outro, sem receios, sem “pisar em ovos”, sem deixar que os relacionamentos do passado se tornem traumas, mas sim degraus de aprendizado para o tão esperado “grande amor”. Aliás, para o intenso, via de regra, toda paixão é o “grande amor”, mesmo que descubra, mais tarde, que não passava de uma leve brisa romântica. Estranhamente naquele sorriso eu vi que sua felicidade era ver a felicidade nos olhos do seu amor, sem que, para isso, se anular, bem como perceber que não há mais limites do seu corpo e do amado quando estão envoltos num abraço, e que no instante de um beijo, exista uma só boca, um só coração, uma só alma...um só fôlego de vida! Mas me revelavam também que por se entregar a tal ponto sofria uma dor dilacerante quando há o rompimento, a separação ou mesmo a mágoa de um platonismo sem reciprocidade, uma sensação de que um grande vazio se apoderasse de sua alma e a deixasse inteiramente desnorteada, chegando a sentir uma dor física de tanto sofrer. Afinal, os intensos sabem que morrer de amor não é o fim, mas os acabam.

Em meio a pessoas que se escondem e têm medo de sentir em sua plenitude, aquele rosto que vi mergulha de cabeça, com todo o seu ser, com todo o corpo: pele, boca, mãos... Contrariamente àqueles que não demonstram explicitamente suas emoções e muito menos se permitem a avançar sobre esta matéria – por medo de ser reprovado, vetado, ou mesmo castrado-, seu sorriso era a imagem de quem delira de desejo, de peito aberto. Ousa viver cada segundo como se fosse o último, sem medo do desconhecido. O medo não é algo inexistente em seus olhos, mas tampouco era uma barreira no desejo de agir. Corpo e alma estão inteiramente coesos no que quer que faça: dançando (ah... a expressão maior da intensidade!), seja na pista mais famosa do mundo, seja na sala de casa, de pijamas, às 10 da manhã; Cantando a pleno pulmões tanto naquela apresentação para uma platéia lotada exigente, tanto debaixo do chuveiro, sozinha e com um cachorro (ou qualquer outro bicho de estimação) não tão exigente assim.

Imaginei aquele rosto, por exemplo, explodindo de raiva ao perceber que se encontrava completamente indefesa a um temporal, quando tudo que ela queria, após um dia estafante de trabalho, era o calor e aconchego do lar. Mas, logo depois, ecoasse dela uma risada bem alta, contagiante, quase infantil de alguém que acabara de perceber que, na verdade, o que ela precisava naquele momento era justamente a liberdade de voltar a ser criança e tomar um belo banho de chuva. É acionar aquela chave que a faça retornar aos 9, 10 anos e viver, intensamente, seu jeito moleca de ser. Num mundo de laços fraternais tão frágeis, ela entrega-se tal forma que considera ultra-normal renunciar seus próprios planos festivos para estar ao lado, dando o ombro protetor a um amigo em prantos.

Não pautando suas atitudes, em momento algum, no que os outros dizem a respeito, não se preocupa em ser intenso por popularidade, mas por necessidade de dar sentido a todo caos de emoções e sentimentos que há dentro de si. E esse caos é uma massa tão poderosa que mesmo controlada, acaba se revelando externamente. Como naquele sorriso, que era, para mim, verdadeiro estandarte daquela impressionante intensidade. Verdadeiro porta-bandeira de si própria, manifestando o a quem quiser ver o que está sentindo, mesmo que, a princípio, não queira mostrá-lo. Quem nunca viu aquele sorriso amarelado e aquela sensação de constrangimento expressa na vermelhidão nas bochechas que, se pudessem falar, diriam, “Não caibo de tão feliz, mas como controlo isso?”? Não, definitivamente não se controla “isso”, apenas vive-se, entrega-se cabalmente nesta felicidade, sem calcular, meticulosamente, os possíveis “prós” e “contras”. Que eles se explodam!

Por sua densidade e complexidade, de quem busca viver, na apenas existir (e vivam os clichês!), pelas altas doses de charme, simpatia, sedução que eles exercem sobre nós é que faço minha apologia aos intensos. Estes, que sempre nos ensinam, inconscientemente, a combater diariamente a morosidade de uma vida sem graça, sem cor. A voltar a ter fé na paixão arrebatadora, no amor verdadeiro, nos laços consistentes, na felicidade impenetrável, e, sobretudo, na amizade duradoura (e quem há de negar que esta não é superior?).


Como eu voltei a ter depois daquele angelical rosto.

Um comentário:

Niña disse...

Pessoas intensas de fato são raras hoje em dia...
Até pq essas acabam muitas vezes sofrendo muito mais do que qualquer outra pessoa quando se entregam totalmente a uma relação... seja qual for esta... e algumas delas acabam por proteção "deixando" parte dessa intensidade que fazia parte de sua essencia... acabam se tornando mais "frias"...
No entanto, eu, particularmente, penso o seguinte: se é para se entregar que seja por inteiro... pq as emoções tbm serão completas... intensas... e não pela metade...
E como é bom viver intensamente... amar intensamente...
Bem, era isso... vc não me conhece, mas deixo o meu abraço! E parabéns pelo post e pelo blog!