quarta-feira, julho 19, 2006

Humano, Demasiadamente Humano

Você certamente vai esquecer de tudo que lerá aqui. Não é pessimismo e/ou sofisma para prestar mais atenção: simplesmente você vai ler essas palavras, concordará com algumas, outras nem tanto, vai parar para pensar um pouco –espero-, e como ta na internet mesmo, vai a outros links, se afogará na corrente contínua de informações que a rede virtual oferece: e-mails, msn, orkut etc. Pronto, quando for se dar por conta, já esqueceu o que eu vou terminar de escrever. Não se culpe: fazemos isso o tempo todo: seja com filmes, conversas, livros, ou coisa que valha, sempre deixamos essas coisas escaparem pelos nossos dedos. Supérfluos, superficiais, fugazes estão as coisas, afinal o mundo ta cada vez mais rápido, e devemos acompanha-lo, não é? Exames de consciência são cada vez mais raros...

E é sabendo dessa nossa amnésia coletiva que vou querer falar de algo diferente, cotidiano, menos intelectualizado. Vou propor que nessa globalização, onde tudo se torna igual, banal e sem graça com a rapidez da luz, reivindiquemos nosso direito a humanidade. Sim, a nossa carnalidade , rejeitando que sejamos apenas peças mecanizadas da engrenagem da vida. Não, nós não somos máquinas se prestarmos atenção a pequenas frivolidades do cotidiano, que são tão comuns que são esquecidas...

Como o direito de errar. Mais. Errar e ser forte o suficiente para assumir o erro e que ele colaborou para o seu crescimento. Afinal, ninguém cresce só acertando...

A cada dia mais, ser forte e só ter virtude é a condição para o sucesso de alguém. Reivindico o direito de sermos sensatos e saibamos reconhecer nossas fraquezas também, sem omitir uma vírgula, sem esconder hipocritamente pequenos defeitos que não queremos assumir que temos. E para isso sempre dizer a verdade...

Quero não ter a resposta de tudo que acontece e ser feliz por isso.

A frivolidade de ser sincero,a tão esquecida. Não apenas para o outro, para a sociedade, mas dizer a verdade para consigo mesmo, até as mais subliminares, sem restrições de pudor, moral, ideologia, sem fantasiar subterfúgios. Ao mesmo tempo, possuir o bom senso para entender que nem todos estão preparados para a escutar a verdade. Aliás, quem está?Não sei...

Quero possamos nos dar o direito a sermos contraditórios, oxímoros, inconstantes. Penso, logo mudo de idéia, e não há vergonha para isso. Não há vergonha por não ser inteiramente lógico, por sorrir e chorar sem motivo. Não somos máquinas programas, pré-ordenadas: no dia que escrevi aqui (com 39° de febre e com uma dor de cabeça que mais parece um parto intelectual) uma avalanche de emoções me ocorreram: já estive melancólico, elétrico, reflexivo, radiante, quieto, já dei gargalhada e até chorei em uma peça de teatro.. Pior que não sou louco, só não tenho medo de ser o que sou, de ser o que sinto.

Falando em emoções, não sejamos superficiais nas nossas relações, que façamos tudo com tal intensidade, sem a preocupação idiota e besta “do que os outros vão pensar”: ria como se fosse a piada mais engraçada do mundo, chore como se perdesse o seu grande amor, ame como se morresse amanhã, beije como se encontrasse o seu amado perdido de décadas, mesmo que isso ocorra no meio da rua... Ah! Reconheçamos que é egoísta, que é competitivo, que sente inveja, que sente ciúmes, de que você não é só solidário, do tipo que “que pensa mais nos outros que em você”, e, quem sabe, você não começa a ser menos egoísta, ciumento, invejoso, competitivo, “lobo do homem”?

Que bonito e mais romântico seria se não ficássemos com melindres para expressos nossos sentimentos aos outros. Tal como o filme “Como se fosse a primeira vez”, se declare para seu companheiro como se fosse a 1ª vez, sinta borboletas no estômago ao vê-lo, ao senti-lo, se pegue com as pernas tremendo como varas feitas de bambu. Mas , sobretudo, de algo maior do que a paixão: a amizade. Por isto, que nos declaremos aos seus amigos, mostre como são queridos, reconheça a importância deles na sua vida. Não tenha a ilusão de que tem muitos amigos: temos colegas. Amigos, aquele para se guardar no lado esquerdo do peito, esses se contam nos dedos. Então, ame seus poucos amigos na mesma intensidade que você ama a si próprio, mesmo porque, grande parte das vezes, ele é mais íntimo que um parente de sangue.

Portanto, diga eu te amo sem reservas, no entretanto, eu te amo n/ao é bom dia, não banalize algo tão profundo e complexo. Depois de um exame de consciência, vc perceber que ainda não ama ninguém, não se preocupe: guarde a pérola, faça o polimento periodicamente, e dê a quem merece, no momento devido.

Quero o direito de ser precipitado, impulsivo, sanguíneo. De meter os pés pelas mãos, de falar bobagem, de pagar mico. É divertido, é humano...

Aprenda uma palavra nova por dia, descubra que isso não é coisa de intelectualzinho barato, e sim que, a cada palavra nova, mais uma forma de compreender o mundo se abre a sua frente.

Descubra que se é muito bom andar e ser amigo de pessoas mais velhas, intelectuais, que transbordam conhecimento, é muito bom, em contrapartida, e tão proveitoso quanto conhecer, andar e ser amigo de pessoas mais novas. Talvez chegue a conclusão que amadurecimento e conhecimento não são iguais e que não são inerentes a esse paralelismo cronológico que convencionamos.

Saia um pouco da net, da tv. Longe de ser conselho materno , mas perceba o mundo que te cerca: descubra as delícias de um entardecer, de ler um livro num dia chuvoso. De tomar chocolate quente, ou mesmo comer doce de leite contemplando o céu estrelado. Releia livros periodicamente, escreva um diário, um blog, conte as suas impressões sobre o mundo: depois compare, é a melhor forma de ver como vc mudou. Mande cartas: em vez do teclado, pegue uma folha, uma caneta, doses de sentimentos e escreva. E peça para ser respondido de semelhante modo. A ansiedade da resposta, o clima do abrir a carta, a leitura de cada palavra no conforto de algum lugar já se perderam há muito tempo. Infelizmente...Conheça um lugar novo. Pensamos que para isso é necessário alguns dólares e um passaporte, quando podemos ter isso do nosso lado. Vá a museus, lugares históricos dentro da sua cidade. Como já disse, experimenta ver o crepúsculo na Lagoa, ou no Arpoador, ou mesmo da Praia Vermelha. São experiências únicas que ficam vívidas em sua memória por toda uma vida.

Não fuja da realidade: saiba que você é o responsável pelo que faz: não culpe os outros, seja Deus, amigos, pais, qualquer um pelos seus insucessos.

Arrogância não é reconhecer que é bom em alguma coisa. De mesmo modo, humildade não é sempre se colocar abaixo dos outros.

Uma das coisas mais humanas que existe é você tomar um belo banho de chuva. Chega ensopado em casa, mas chega com a alma lavada.

Não deixe flocos de neves se transformarem em avalanche: brigue, discuta, reclame, não espere por uma melhor hora. Nunca deixe para mais tarde, nunca acumule o que pode ser letal.

Já disse escrever? Já, mas insisto: escreva. Não estou aqui escrevendo só para passar uma mensagem, ou para atualizar meu blog, mas deixar uma marca de como sou eu hoje. Mais tarde, comparando com outros textos, verei a diferença. Quem ler todo meu blog, ou seja, só eu, sabe como eu mudei.

Ame a sua liberdade, ame a sua livre iniciativa, ame-se. Não coloque nos outros um sentimento que você sente, na verdade, por você mesmo. Namore consigo, agrade, presenteie, e para os exagerados, mande flores para pessoa mais importante da sua vida: você. Mas seja auto crítico, em doses homeopáticas, é claro: crie momento a sós,para conversar com você mesmo, pensar no futuro, ver e rever suas escolhas. Cuide de você, cuide de seu corpo, mas antes, cuide de sua alma.

Há algo de errado em falar sozinho consigo mesmo na rua? Espero que não...

Nada de errado existe em ser seu melhor amigo, apenas não se iluda achando que és independente dos outros, uma verdadeira ilha. Não, você não é, e por mais que o seu orgulho comece a se contorcer, você precisa dos seus amigos de uma maneira que nem mesmo você sabe. Ao reconhecer que precisa de ajuda, não se feche a quem te ama: confie nos seus amigos.

Não se torne mais uma salsicha no pacote: discorde de seus amigos quando tiver que discordar, diga q não compartilha do mesmo ponto de vista, retruque, digladiem-se, e no final peçam um refrigerante para brindar. Isso mesmo, tolere, compreenda que debater não significa convencer o outro.

Abrace. Dê um abraço de urso nos seus amigos, nos seus pais, em que você ama. Ele é um ótimo indicador, e é mais revelador e confortante do que milhões de palavras. Aliás, quando não tiver nada a dizer para ajudar, não diga nada. Pessoas querem, algumas vezes, apenas falar, não ouvir um sermão de quão erradas elas estão. Ou abrace, que é o melhor remédio.

Chore, limpe a alma, tenha a sensibilidade para reconhecer que está tão a flor da pele. Chorar faz bem, e não tem hora: filme, novela mexicana, declarações, pedidos de desculpas, casamento, velório e por aí vai. Não, não é sentimentalóide. Minto. É sim, ser sentimentalóide, mas quem disse q isso é ruim? Quem quer me convencer de que ter sentimentos exacerbados é ruim e danoso a minha humanidade? Que ser romântico ao extremo, que sonhar com o grande amor, que sonhar ilusões me faz menor do que qualquer ser vivente? Não, eu exijo meu direito de ser sentimentalóide, não pq eu sou exagerado, mas sim pq os outros estão cada dia mais frios...

Já tentou criar uma memória musical? É divertidíssimo. Crie uma trilha sonora para a sua vida: que cada música te leve a um túnel do tempo, de emoções, que você possa fechar os olhos e se imaginar em algum lugar ou algum momento da sua vida que não quer esquecer.

Quem nunca teve um amor platônica, encomende um imediatamente. Mas cuidado: apesar de mui enriquecedor, possui, como todo remédio muito pesado, fortes efeitos colaterais. Ter uma musa inspiradora, se apaixonar sem saber o outro lado, gostar tanto de alguém que até prefere se esconder, como diz a canção, é, no mínimo, muito interessante. E ao contrário do que pensei, não é algo só de adolescentes: adultos também são vítimas desse bem.

Amor a primeira vista existe sim: quem diz o contrário é intriga da oposição.

Mude, mude sempre. Seja no visual, seja no pensamento, seja no gosto etc. E quando quiser ser mais radical, volte ao que era.

Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Estude, estude, estude. De preferência muito e intensamente, mas entenda que pausas são partes essenciais para qualquer boa sinfonia. Sobretudo a nossa sinfonia diária.

Mas, de tudo que eu sugeri (e poderiam dar mais outras mil páginas), não faça nada disso como obrigação. Não leve as coisas tão a sério, nem essa busca pela sua humanidade.

Por fim, mesmo sabendo que você já deve ter esquecido de muita coisa que já disse aqui, preciso fazer uma consideração a mais: não sou mestre, profeta, guru da boa vida, da vida não mecanizada, da vida não rotinizada. Pelo contrário, sou apenas um homem que deseja profundamente olhar mais tarde para a minha vida e dizer que fui um humano, que

Tornei minha vida um eterno caça-níquel.

Mais do que ter histórias para contar para minhas filhas (escutaram, FILHAS!), netos, bisnetos, quero ter história para contar para mim mesmo.

Afinal, fecham-se as cortinas do teatro, o espetáculo termina, cerram-se as janelas e as portas, e fazendo isso ou não, a vida continua.

Música de fundo - "Epitáfio" - Titãs

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