"A gente não faz amigos, reconhece-os."(Vinicius de Moraes)
Tem certas coisas que me fazem sentir muito bem: algumas bem extravagantes, como tocar contrabaixo no escuro, comer sorvete no inverno antártico, e outras tão comuns, como um beijo apaixonado, um abraço sincero, ou mesmo perceber que plantei bons frutos. São gestos simples, discretos, mas que me deixam profundamente feliz, por vezes emocionado.
Quando decidi, ou melhor, quando percebi que meu dom era estar numa sala de aula, ensinando e aprendendo com meus alunos, sabia que não seria fácil. Primeiro, porque eu já tinha noção do desprezo moral e econômico que os professores no Brasil sofrem. Mas isso nunca foi um problema para mim, nunca quis ser rico. Problema mesmo eram minhas idéias um tanto quanto subversivas a respeito do "ser" professor.
Por que autoridade? Por que porta-voz da verdade incontestável? Por que apenas professor, fechando as portas para novas amizades? Estas e outras perguntas me incomodavam desde minha tenra adolescência, principalmente quando uma professora de Química que no seu primeiro dia de aula, usando uma calça Gang, incomodada com os óbvios sussurros dos garotos com os níveis de testosterona acima da média saudável, manda o recado: "não vim para ser amiguinha de vocês!". Pensei que isso fosse coisa de alguém que tem um marido que dormiu de calça jeans no dia anterior, mas quando entrei na faculdade e vi como alguns colegas pensam, percebi que era mais grave do que imaginava. A mística da verdade inabalável, achar que só pelo fato de ter uma faculdade de uma matéria específica sabe mais do que qualquer aluno. Santa Ignorância: no pouco tempo, menos de 3 anos, que leciono, tive o prazer de conhecer pessoas que com sua experiência de vida, ou mesmo com seus lazeres conhecem mais sobre um determinado tema do que muito professor. A esses alunos tenho uma eterna dívida, porque, mesmo sem eles perceberem, eu aprendi muito com eles. Isso remete a questão da autoridade: tudo bem, eu entendo que é necessário, algumas vezes, ser mais rígido em algumas posições, mas "autoridade" não é um termo um tanto quanto autoritário? Eu prefiro me considerar uma espécie de irmão mais velho: não tem a autoridade do pai, contudo os alunos, irmãos mais novos, lhe dão ouvidos, por mais que discordem. Afinal, o aluno não precisa concordar com tudo que você diz, principalmente em História, onde você dá ferramentas para ele pensar.
Mas nada me incomoda tanto quanto a questão da impessoalidade do professor. Alguns chamam isso de ética profissional, eu chamo isso de elitismo idiota. Eu, antes de ser professor, sou humano, carne, possuo desejos, tenho afinidades, interesses, contradições, trocando em miúdos, não sou uma ilha: porque cargas d'água eu tenho que me afastar de pessoas que podem ter os mesmos interesses que eu, que podem ser amizades em potencial? A Idade, maturidade? Ora, Vinicius de Moraes estava certíssimo quando disse que "A gente não faz amigos, reconhece-os.". Eu tenho amizades com alunos, e me orgulho disso, eu sei não misturar as estações, sei aonde vão os limites da amizade e do profissionalismo, e eles também sabem disso. Faço questão de colocar meu MSN, meu orkut, meu blog no quadro tanto no pré-vestibular, quanto na 5ª serie onde sou estagiário. A melhor coisa que tem é estar no meio dos alunos no intervalo: você ri se diverte, de si e dos outros, sabe das últimas. A sala das professoras é tão triste e melancólica perto deste.
Quando tive essas idéias, um pouco, confesso, exóticas de como queria ser na sala de aula, era apenas um mero professor de uma Escolinha Bíblica Infantil, o tio da galera dos Juniores, entre
...quando numa bela noite de sábado, voltando à igreja onde fui professor , vejo minha melhor aluna da época, Ana Carolina Santos, sentada,conversando, como uma natural adolescente. Lembro-me dela pequena, com seus 10, 12 anos. Imaginei que ela fosse me cumprimentar, nada demais, principalmente na soberba juvenil, onde tudo é "Mico". Mas para a minha emoção e surpresa, eu vejo uma bela moça descendo, chorando, trêmula, me abraçando tão forte e tão carregada de alegria, que não tive outra escolha do que me emocionar junto com ela. Neste instante de silencio na metrópole, consigo relembrar perfeitamente daquele momento, onde ela só conseguia dizer: "Por que você sumiu? Você faz falta!". Desfruto desse momento, tendo a noção de um sentimento agradável, pois a sensação de nós nos abraçando ainda é viva e latente em meu corpo. Mais do que uma sensação boa, ela foi a concretização de que minhas idéias, que não tenho a intenção de que seja um manual pedagógico para ninguém, estão no caminho certo, que consigo ver bons frutos no que estou plantando. Não sou o dono da verdade, nem sou um gênio, meu único desejo é ver professores um pouco mais humanos, mais sensíveis, e não alguém que, narcíscamente, se auto-intitula "O professor”.
São de sensações assim que preciso na minha vida.
Só falta o sorvete.
Musica do Mês: Diana Krall - The Took Of Love
Um comentário:
Primeiro comentário,ai quanta responsabilidade...Geralmente durante as suas aulas me pego lembrando justamente de Sociedade dos Poetas Mortos(algo mt rápido,nada q me desvie da aula)e do quanto aquele filme mudou minha maneira de encarar meus professores e foi justo numa aula de história(na 8a série)que despertei p/ o impacto que os profs produzem em nossas vidas,o mome da prof era Sarita,jamais a esquecerei.E durante muito tempo tive convicção de que ninguém jamais despertaria em mim o que ela conseguiu,até q muitos anos depois você apareceu.E foi uma resposta a tudo que achava impossível de se encontrar em um professor,agradeço muito à Deus por ter permitido ser sua aluna e ter sido reconhecida por você como amiga.Espero sinceramente que este laço de amizade permaneça ao longo do tempo.Um grande abraço com muito carinho.
PS:Não exagere na vitamina C hein
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