sexta-feira, maio 05, 2006

The Emancipation of Me




Estar desempregado não é tão ruim como eu pensei. Obviamente não é o que pedi a Deus, mas tem lá suas vantagens: vc pode compensar todo as noites de sono perdidas por conta da faculdade, mudar um pouco seu fuso horário (do tipo que acorda as 11 da manhã e dorme as 3 da madrugada), acompanhar aquele seriado que você tanto gosta, mas que passa as 2 da matina , ter tempo para ler todos os jornais e revistas sossegadamente, ler aquele livro só por curiosidade e não pq ele vai cair na sua prova. Mas, mais do que tudo, o que essa fase momentânea da minha vida -ouviram? MOMENTÂNEA- me proporcionou foi a possibilidade de pensar e repensar certas coisas que o mar do esquecimento nos leva.




Fiquei me perguntando pq cargas d'água eu fui me formar em História. Não, não é arrependimento, pelo contrário, fui tentar achar uma razão diferente das que convencionei para ser apaixonado pela Clio. As que convencionei, para saciar a curiosidade alheia, foi a que comecei a gostar de lecionar quando comecei a dar aula para as crianças na minha igreja. O mais engraçado é que fui lecionar por conta de uma menina que era apaixonado. A outra razão para começar a gostar de dar aula foi quando a professora provocou a turma e disse que daria generosos 0,5 ponto para aquele que desse aula por 2 tempos. Quem foi lá na frente dar aula? Isso mesmo, eu. E lá, por mais que a turma estivesse me sabotando -e estava mesmo- eu senti que ali era o mesmo lugar. Isso no meu segundo ano de ensino médio. Porém, curiosamente, nunca tinha reparado que nessa duas razões, não tem nada que explique o fato de ter sido História a disciplina escolhida. Não tem razão: não era minha matéria predileta (Pasmem, as prediletas era Física e Geografia Política), nunca tive a cultura de leitura, não fui educado numa família que incentivasse o hábito de ler.



Não só o de ler, mas de várias outras características que eu possuo hoje. Isso é estranhamente bizarro, posto que sempre carregamos algumas características dos pais, seja biológica, seja culturalmente. Tirando o fato de, pelo que eu me lembre, ser a cara da mãe,, ou seja, a parte biológica, na parte cultural eu não tenho NADA que eu possa dizer que herdei deles. Sabe aquela história de "se quiseres conhecer um homem, conheça a sua família"? Comigo não adianta...As vezes eu me pego prestando atenção a alguns discursos do meu pai aqui em casa, conversando com a esposa dele. E consigo discordar do início ao fim, incrivelmente. E acredito que ele deve ficar se perguntando que filho é esse que escuta coisas do seu tempo, como "Frank Sinatra", "Marvin Gaye", "Aretha Franklin", e qualquer banda de soul/funk dos anos 70, e coisas que quase nenhum rapaz de 22 anos escutaria normalmente, como Jazz, Bossa Nova, Música Clássica etc. Em geral, os filhos começam a construir seus gostos escutando o que tem em casa, os famosos Lp's, e eu não me lembro de nenhum Lp dos meu pais, a exceção dos seus lps dos Bee Gees e da trilha de "Estúpido Cupido" que escutava escondido da minha mãe, que tenha me marcado. Fui gostar de Bee Gees anos depois e detesto Jovem Guarda.Mas entendo se ele pensar assim, que eu sou louco. Não estamos acostumados a ser diferentes, na verdade, o "bom" é quando vc é igual aos outros. Eu sei, querido leitor, vc não pensa assim, mas vc já parou para pensar quantas pessoas pensam desse jeito.Mas o mais estranho de tudo não é quando eu vejo quanto meu gosto musical se difere dos meus pais, e sim como construir esse tão eclético gosto musical( E põe eclético nisso, são 21 Gb de música ao todo). Talvez tão complicado de responder essa pergunta quanto a de responder pq eu fui gostar de ler. Não sejamos hipócritas: a falta de incentivo, mais a preguiça natural de ler de uma juventude que passa horas na televisão e na Internet, mas chega aos seus vintes anos sem ter lido um grande clássico sem ser aqueles cobrados na escola. Eu tinha tudo para ser mais um destes, e ainda reconheço que há muitos clássicos que ainda não li, e ao contrário do Diogo Mainardi, eu não me orgulho nem um pouco disso. Nunca ganhei um livro de presente (se tem algum leitor meu que é pai, deixo a pergunta: vc já deu um livro para seu filho?), não tive acesso a biblioteca do meu pai, sobretudo pelo mínimo detalhe: ele não tem biblioteca. Mas eu sei quando começou a minha paixão pela leitura, e para isso teremos que voltar aos longínquos dias de 1994. Foi graças a um livro paradidático, que tinha que ler, a primeira sensação de como a leitura e as palavras são fascinantes: O menino do Dedo Verde, de Maurice Druon.



Eu me recordo de já ter lido outros livros paradidáticos, antes e depois,, mas não me esqueço desse: mais do que a "obrigação" de ler, eu comecei a ter prazer em ler. Prazer de ler para mim é mais do que vc extrair algum ensinamento, alguma lição, de se instruir, é vc se transportar para o livro, isto é, o mundo esta ao seu redor, mas vc esta dentro daquelas linhas, sendo espécie de Voyuer de toda aquela trama. É montar um pequeno filme na cabeça, um filme que muda sempre que vc retorna a ler aquelas palavras. É fantástico vc sentir essa sensação com 10 anos de idade, uma faixa etária tão rica, tão criativa, tão explosiva para a cabeça de um "pré-adolescente", vulgo criança.É tão fresca e viva a lembrança quando eu fui a um médico no Valqueire: eu tava tão hipnotizado pelo livro que minha mãe que me guiava. A partir daí comecei a ser um fiel assíduo a tão vazia biblioteca do Santa Mônica. Lia aqueles livros, que hoje dou risada, de diários de adolescentes,e Pedro Bandeira: a Marca de uma lágrima,A Droga da Obediência,a série dos Karas,etc. Enfim, fui aprendendo a gostar de ler: a qualquer momento eu poderia me deslocar para onde quiser, eu poderia ir para qualquer lugar, poderia ser quem eu quisesse, ou melhor, ser eu mesmo, sem as amarras que nos prendem e que moldam de acordo com algum tipo de estereótipo pré-estabelecido.Talvez aí esteja uma razão para meu ecletismo musical: na verdade não existe um Nelton, uma máscara, um ser previsível e padronizado, mas sim, vários Nelton, vários humores, vários pensamentos, imprevisível.



Isso é diferente de ter personalidade múltiplas, é vc entender que ser contraditório não é o fim do mundo e que nem tudo que se difere contrapõe entre si. Talvez isso explique minha tolerância, num sentido mais amplo. Sou daqueles que pode não concordar com uma palavra do que dizes , mas lutarei até a morte pelo direito de você dizê-las, parafraseando Voltaire. Vibrei com a faixa de "Coexistência" na testa do Bono Vox (embora não goste de U2), e detestei quando vi uma revista dita "Evangélica", discutindo a questão da Coexistência, dizia, em nome de todos os protestantes, que nós dizíamos não a Coexistência. Sou protestante, embora deteste o termo evangélico (por outro pormenores que só deixariam esse post mais longo), mas sou daqueles tipo de protestante raro nos dias de hoje: aquele que reconhece que sua igreja não é perfeita, que sua religião não é a melhor, que devemos respeitar a religião do outro, porque, na verdade, nenhuma religião é perfeita, nenhuma é melhor do que a outra. Esse proselitismo gratuito que tenho que ver e acompanhar todos os dias, onde pastores,não obstante alguns bem intencionados, outros conscientes do que estão fazendo, se auto intitulam "geração eleita"e dizem que são o único caminho que levam ao céu,ao verdadeiro Deus,e ao seu enaltecimento, atacam as outras religiões, não levando em consideração o filtro de cultura, que é diferente, que cada religião passa em relação a revelação divina, é algo tão comum e tão intrínseco nas pessoas, que, espero que não, qualquer pessoa religiosa que leu até aqui ou tá saindo do blog ou ta em vias de sair. Consideram-me um polêmico, um subversivo, mas ninguém parou para pensar se aquela pessoa que está nas "trevas" realmente está afim de sair de lá, ou melhor, se considera em trevas. E o que vc vê são pessoas "tacando terror" nas outras, não tendo tolerância com o irmão, não respeitando a sua opinião, mesmo que não concorde, ou mesmo fazendo comentários infelizes e fúteis como eu já tive desprazer de ouvir:"Morreu e não se converteu, é, vai para o inferno!". É claro que acredito que o Protestantismo seja a melhor forma de me religar com Deus, se não achasse, seria no mínimo estranho ainda permanecer lá. Mas conceitos como "bom", "Melhor" são subjetivos e, por isso, variam de pessoa para pessoa. Ou seja, gostar da minha religião não significa odiar e abominar as outras: posso até discordar de alguns dogmas, mas as respeito com dignidade.Não é a toa que um grande amigo meu diz que eu sou o menos evangélico dos evangélicos. Embora eu saiba que sou diferente, não me acho único: há um grupo infinitesimal de "evangélicos" que pensam. Quero crer que sim...




Outra característica além da tolerância é a da desconstrução de pensamentos. Há pessoas que constroem suas idéias, sua régua de valores e comportamentos e vivem eternamente sobre aquilo que tão arduamente construiu. Eu construo minhas idéias para justamente desconstruir mais tarde.Para mim, melhor do que dizer "Eu tenho uma idéia!" é dizer "Eu mudei de idéia". Entrando na frase clichê do Raul Seixas, eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha idéia sobre tudo. Isso, para mim, é bom pq vivo num eterno aprendizado: nenhuma idéia é suficiente para me saciar, eu busco sempre mais, sempre mais explicações, mais conceitos, e por muitas vezes encontro-me mudando de idéia: depois de algum tempo, vc começa a refletir sobre suas primeiras impressões e verifica que vc pensa, hoje, completamente diferente. Mas o poder da inércia é mais forte do que podemos imaginar: pessoas tem aquela velha idéia e não busca mais fontes, tanto para reafirmá-las qto para refutá-las, por pura preguiça, por desconhecimento, em menor escala por vontade própria, e uma parcela por arrogância. Sim, arrogância, aquela maldita característica de se achar superior aos outros e tratá-los com menosprezo.




Certas coisas que são aprendidas na escola são decoradas e nunca refletidas. Vejamos só: todos aqui aprendemos que com Copérnico e Galileu, os homens começaram a ver que o universo não gira em torno da Terra, mas, agora, era o Sol o centro do Sistema solar. Chamamos essa idéia de Heliocentrismo.Olhamos para isso como uma coisa distante, fria, a decoramos, acertamos a questão na prova e esquecemos do essencial: refletir. Esquecemos que pensamos que o mundo gira ao nosso redor, que nossos valores são os melhores, que nossas idéias as mais brilhantes, nossas posições, as corretas. Somos a Terra, arrogantes e prepotentes: entramos num discussão, numa conversa, não pelo prazer do debate, de observar uma segunda opinião, respeitá-la,mesmo que a discorde. Não, entramos numa discussão já certo de nossa vitória, tendo a idéia que o produto final desse debate é o convencimento da outra parte. E assim caminha a humanidade: homens e mulheres, jovens e adultos querendo vencer, como se tudo fosse uma grande competição e esquecendo que o principal é o diálogo interno, é a vitória contra seu maior inimigo: vc e a sua inércia. Qdo começarmos a agir assim, não necessariamente mudando de idéia como se muda de camisa, mas refletindo sobre nossas "verdades", mudando quando for necessário, estaremos, destarte, fazendo jus a celebre frase de Descartes de "Penso, Logo existo", i.e., dignificando a existência do nosso ser.É assim que eu caminho, por estradas diferentes da que meu pai me acostumou a seguir, por vezes, na contra-mão do mundo, mas sempre buscando a minha autonomia.




E ai de vc de discordar de mim!




Music do Post - Virtual Insanity do Jamiroquai

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