Amo os acasos. Esses maravilhosos lapsos espaco-temporais que
fazem que diferentes pessoas se encontrem. Como um bom herege, acredito que
deva ser um daqueles momentos onde Deus desobedece a palavra de usar
instrumentos para falar com os homens, e, ao invés disso, vem pessoalmente e
coloca nós, peças do tabuleiro, lado a lado. As vezes o encontro inesperado é
com nós mesmos.
Em
geral, acasos proporcionam uma certa perturbação no seu cotidiano, interferindo
no equilíbrio necessário. Tudo se torna imprevisível, você não tem a resposta
ou o comportamento certo. A outra pessoa se torna uma esfinge, onde você vai
desvendando de enigma em enigma. Assustador e ao mesmo tempo instigante. E
então você começa a praticar o velho e bom hábito de escutar a outra
pessoa.Sim, escutar. Não apenas ouvir cada palavra, como se fosse um ruído que
atrapalhasse o que você está pensando em falar na próxima lacuna de silêncio.
Mas prestar atenção na entonação, nos argumentos, nos gestos, pois escutar
pressupõe outros sentidos além da audição.
Em
alguns momentos caminhamos por aí e alguém cruza seu caminho. A resistência a
perturbadora situação nos sugere escapar, voltar a caverna. Ou tornar desse
cruzamento, uma interseção, aceitando e encarado como uma experiência
valiosíssima. A cada passo, um momento em que tiramos nossas máscaras e a
maquiagem; a cada rua atravessada, descamamos um ao outro, conversando sobre
tudo e sobre o nada, sem medo de pisar em ovos. Permitimos a nos expor, a
revelar aquele lado omitido, obscuro e sombrio, sem medo de julgamentos e,
ainda assim, dar risadas disso. Autorizamo-nos a contar piadas sem graças
e falar besteira e fazer caras e bocas como se fossemos um Mangá porque
tivemos vontade e não porque quisemos bancar o engraçadinho. A cantar musica
antiga sem estarmos embriagado. A elogiar sem parecer galanteio barato. De
debater sobre os rumos do país, sua tese de mestrado, Woody Allen, corrida ou
do projetos de beleza que há no Instagram. Aliás, falando em Instagram, e ao
contrario dele, tudo aqui é #nofilter. De baixo do lindo sol de inverno entrecruzamos
nossa caminhada como dois estranhos e a pertubacao do acaso permitiu que se
fomentasse uma linda e fina sintonia. E só há crescimento quando saímos da área
de conforto.
Mas, no final da caminhada, já sob os olhos do
luar, e a submersão de uma superficial sensação de intimidade, o lapso
espaço-temporal é restabelecido bem como a osmeostase de nossas rotinas.
Quando aquelas duas sombras no calçadão voltam a ser só uma, você se
lembra que perdeu a hora, o rumo e o mundo. Culpa da inspiradora sensação
de paz de espírito que este acaso lhe proporcionou.