quarta-feira, março 30, 2016

Amizade I

Era mais que um abraço. O ar festivo, o sítio desaguando em uma praia paradisíaca, a pequena capela e a suntuosidade da festa dava a quase todos a conotação de um grande evento. A tarde perfeita, num céu azul tão límpido, e o mar que se acalmou quando chegou a rainha da festa, me fizeram jurar que houve um acordo com São Pedro. O rústico dialogando com a ostentação nos mínimos detalhes. Era a festa perfeita e provavelmente não irei ver outra igual.

Contudo, algo me incomodava, uma letargia, uma melancolia, me atormentava e não tinha sido porque misturei a cerveja com whisk. É só fui compreender quando,num brevíssimo espaço de tempo que vi a rainha da festa, minha amiga, livre, fui dar um abraço. E tudo fez sentido. Não era só um abraço de felicitações, era uma despedida.

Aos poucos tenho reaprendido sobre meu grande calcanhar de Aquiles emocional: as amizades. Fui daqueles moleques que preferia ver TV a descer pro play do prédio e socializar. E cresci fantasiando um ideal de amizade das séries da Sony e Warner, onde amigos se conheciam e viviam eternamente juntos. Enquanto meus colegas tinham como meta beijar aquela ou está menina, minha meta era ter um grande amigo ou amiga, coisa que nunca tive. E não duvido nada que estraguei algumas oportunidades preciosas quando confundi amizade com meus hormônios e me apaixonava, e a outra pessoa se afastava.

O tempo passou, eu cresci, saí de frente da televisão, e, contraditoriamente, na tela do Twitter fui fazendo amizades que começaram a se concretizar no mundo off-line. Amizades que começavam de forma besta, como você ver naquele fluxo de posts de 140 caracteres, uma moleca citando uma frase de uma música pop, e você, só de sacanagem, continuar a outra frase. E, rindo, os dois terminavam de cantar a música inteira. Como certa vez já disse o poetinha "amigos não se fazem, se reconhecem".

Só que aquela idealização aos meus amigos como algo eterno começa a se desmoronar no momento que somos feitos de escolhas. E a minha escolha pode me levar para um caminho bem distante da escolha do outro. E nesse espaço que criamos, outras pessoas surgem no caminho. Amizade tá bem longe de ser aquela coisa simples e idealizada como eu via em "Friends" ou "How I met your mother". Amigo é como gripe: você pega. Mas as vezes é uma simples virose, coisa de dias ou semanas. Às vezes é uma gripe temporária, e logo se desmancha a ponto de você não reconhecer o outro depois de algum tempo afastado, ou pode ser crônica, a ponto de, não importa quanto tempo ficaram separados, o quão longe estiveram, quando o WhatsApp do outro aparece, não surgem cobranças e explicações do sumiço. Na verdade, conversam como se nunca estivessem afastados.

Mas foram anos em que ergui um castelinho da "amizade" e me é muito caro destruí-lo assim facilmente. Sobretudo quando o afastamento, por mais visível que seja, é lento, gradual, sem grandes traumas. Tenho que evoluí muito para saber lhe dar com a opção de que talvez não seja um dos primeiros a saber (e a dizer) dos segredos, medos e  merdas. E eu tenho que aceitar esse mundo líquido, onde, nostalgicamente, vejo o tempo e as pessoas de forma fluida, correndo e escapando entre meus dedos, de laços que, sutilmente, vão se desatando, de pessoas que surgem na sua vida para te ensinar uma coisa e depois desaparecem como um anjo mensageiro. Tudo é incerto, impreciso e aleatório.   Mais do que entender os outros, eu preciso ter consciência disso pois eu também sou um ser assim. Eu também escolho, me afasto, sumo, desato.

Eu podia, como todos, entrar na fila do feliz recém-casal e dar um abraço e continuar na estupenda festa. Mas preferi a discrição, talvez para escutar, no abraço alguma palavra que ainda nos ligasse. Afinal fomos cúmplices, conselheiros, críticos, puxa-saco um do outro. Em uma palavra, amigo. Esperei o melhor momento, a melhor hora, no local mais adequado. Só não recebi o que idealizava. Não, não foi grossa, muito pelo contrário, mas eu tinha me tornado mais um ali na multidão. Foi quando percebi que era uma despedida. Nós tínhamos escolhido seguir caminhos diferentes e o afastamento é inevitável. Talvez nos falaremos muito um com outro, ainda daremos risadas e iremos correr juntos por muitas vezes. Talvez simplesmente eu vire uma boa memória.

Voltei pro chalezinho do sítio antes do final da festa com o misto de felicidade e melancolia, mas, sobretudo, com a (quase) certeza, de que foi a despedida silenciosa mais linda na qual tive. 

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